31.12.11

É sempre uma nova esperança

Mais um ano se vai no nosso calendário de éter. Que volátil é a nossa vida hoje em dia, né?
A velocidade que os ponteiros do relógio giram hoje é bem maior que a de antigamente. Quando os anos ainda tinham 19 na frente era mais calma a vida. Com o adeus dos "mil-novecentos-e" chegaram as responsabilidades, a barba, os cabelos brancos começam a avisar que vêm, sim, e não tem choro. Sem falar nas manias que a gente vai absorvendo do dia-a-dia. Coisa de velho. Que vai ficando com o coro gasto, com as mãos e os pés cascudos. A essência vai criando calos; se firmando e se definindo.

Meu último post de ano novo foi há dois anos. Por quê?
Não sei.

Na verdade eu sei.

O que muda na nossa vida em dois anos? Um monte de coisa.
Precisei desses dois anos para ser o que sou hoje. Para levar um tombo, levantar do tombo e lamber as feridas.

Quem me conhece sabe que eu não tenho essas superstições e mandingas de virada de ano e tals.
Mas achei justo fazer um balanço de um ano que passou. É uma data marcante que faz a gente pensar um pouco na vida.

Quando eu era mais jovem eu gostava de olhar o céu e as estrelas na noite da troca de ano no calendário. De alguma forma olhar pro infinito me confortava e encorajava a caminhar pra frente. Com o tempo eu perdi esse costume. Mas o meu 2011 começou e eu estava em um lugar que me obrigava a olhar para o céu. As pessoas que estavam comigo não eram as de costume. Porém a grande parte delas fez parte da criação do que eu sou agora, neste momento. O local me era familiar. Aquelas foram minha estrelas, muitas delas, ou quase todas, carrego no meu coração até hoje.

2011, para mim, foi o melhor da última década. Foi quando me afirmei em minha escolha profissional, encaminhei minha formação em jornalismo. Firmei amizades, reafirmei outras e coloquei algumas em seus devidos lugares. Fui um pouco egoísta e injusto com meus mais fiéis companheiros de muitos anos. Erro meu, que arrependido, peço desculpas eternas.
Peguei gosto pela arte, pelo teatro, pelo cinema. Descobri "habilidades" e "talentos" que jamais pensei ter.

E, o mais importante: no meio disso tudo reencontrei o amor e a paixão. Sempre acreditei que a gente precisa de alguém ao nosso lado - sempre. É tão fácil perceber o quanto fica simples ir em frente quando a gente se sente amado e acompanhado. Elejo aqui a Carolina como principal personagem do meu 2011. Com ela, um ano termina e outro começa já com perspectiva positiva de continuidade; não saio de 2011 com nada interrompido.

Com essa sensação de continuidade, deixo aqui meus votos para que todos que me cercam consigam atingir seus objetivos. Sem essa de paz, saúde e prosperidade.
Desejo convicção e foco na vida, que é um jogo e precisa-se aprender a andar no tabuleiro da melhor forma.

Um grande abraço a todos.

21.11.11

seis dedos e mil gargantas

às vezes me vejo mil
tantos que fraquejo
muitos cabelos e pés tortos
corações múltiplos de 3,45
da alma que me pesa uns turbilhões de quilos
dos mil braços
mãos com seis dedos que não controlo
dos sonhos que de tão grandes se fazem loucos
de esperanças milhares se tornam opacas
de tantas gotas de chuva que abraço
de tantos goles que bebo em mil copos
mil gargantas que gritam por sossego

19.11.11

sorriso

guardo aquele toque teu
tão meu
sublime sorriso
trançado a cada perna nossa
noite fria
sono sorriso
gotejando suor
e cada suspiro
êxtase sorriso
mão pequena tua
quente teu abraço
teu amor
nosso sorriso
caminha
minha alma tua
coração sorriso

(para Carolina Reichert)

9.10.11

saudade

posso pensar em desespero em uma noite no meu do mundo no meio do nada no meio de ondas sonoras toscas que fazem com que eu pense interruptamente naquele momento em que te abraço no momento em que te encontro naquele momento em que a fábula é só uma linguagem literária que o teu cheiro encontra o meu em que a gente se abraça e fica tudo tão feliz?

6.10.11

as cartas da última gaveta da cozinha

vou jogar fora vários pares de meias
cortar as calças velhas
deixar curtas
como bermudas
limpar o baleiro

vou jogar fora os drops velhos da vida
pedaços daqueles dias frios
traços daqueles esquadros rabiscados a carvão
do tempo que o preto era contraste
quando o branco era penúria
o apito do trem era distante
quando a largura da cama não variava
não existia escova de dente reserva
quando a insanidade era não te falar
vou jogar fora todas as cartas que te escrevi
que dormiam no fundo da última gaveta da cozinha
delas não preciso mais
elas não superam o toque do teu nariz no meu

(para Carolina Reichert)

22.9.11

Ontem éramos crianças, hoje somos máquinas

Eu não sentiria falta da pontada do barulho que os morcegos fazem na minha janela. Não sentiria falta daquela peça encrustada de poeira que vejo da mesa da cozinha com a cabeça bêbada escorada no azulejo.
Sinto muita falta do que meus braços já não podem alcançar. Do que me é privado pelo espaço, pelo tempo, pela geografia e pela dimensão. Sinto falta da minha mãe, do meu pai e do meu gato xadrez. Do barulho da rua. Do barulho da minha rua. Da batida da bola murcha no chão, da bolita que sumia entre as folhas. De bater e ser batido no esconde-esconde. Dos cabelos compridos das meninas que cheiravam a creme com suor inocente da corrida do pega-pega. Das conversas intermináveis em volta da quadra.
Dar a volta na quadra quando a gente é pequeno demora. Quando a gente é pequeno, tudo é grande, comprido, demorado. Os irmãos mais velhos são bem mais velhos, as avós, então, nem se fala. Os muros altos são paredões espartanos. Intransponíveis até que o primeiro descubra a "manha". Depois a gente sobe, cria aventuras, brinca de "siga o mestre". Cipó em arvore vira desafio, separa os guris dos guris que merecem respeito na turma. Quantos carrinhos quebramos em nossas pistas imaginárias feitas de papelão e tijolos? Quanto carrinhos recriamos? Aqueles com rodinhas desproporcionais? Quantos perderam a fricção?
Gostaria de reunir todas as bolas furadas e fazer um mar de lembranças dos tempo em que jogar bola era recreio, era rasgar calça, esfolar joelho, cortar o braço. Fazer gol e imitar o Bebeto e o Romário. Todos éramos Romários e Bebetos. Cada um com seu sonho, suas micagens, suas delícias e malemolências. Seríamos médicos, pilotos de caça, heróis de guerra, jogadores de futebol em copas do mundo.
Hoje, quase não temos direito de fazer castelos de areia na praia, nossos momentos são efêmeros. Hoje, lutamos de verdade com a vida. Ainda somos filhos, sempre seremos, mas hoje somos pais, tios de verdade e emprestados. Somos por aí. Por lá e por qui. Caímos às vezes, mas como antes, sempre resta um para ajudar a levantar. Ou dois, ou três. Hoje somos órfãos num mundo caótico que nos transforma em máquina.
Somos máquina o tempo todo. Nos vemos máquinas, nos falamos máquinas. Ser máquina é o que nos permite viver e nos permite a possibilidade de não sermos máquinas por um dia no máximo. Perdemos o direito de jogar bolita. O telefone celular é o que nos permite ouvir nossas vozes mesmo que rapidamente para não gastar muito crédito. Se não formos máquinas, a vida nos come, nos consome e ficamos para trás.

*este texto é minha manifestação em relação aos meus 28 anos. Representa toda a saudade que trago na memória. Representa minha insatisfação enquanto humano com o espaço e tempo que me separa das minhas pessoas queridas. E é, também, em homenagem aos meus amigos que tanto amo e sinto falta do abraço.

17.9.11

simples assim

te envolvo com apenas um braço desses dias curtos e amarelos quase laranjas se o inferno tem uma parte boa tem teu nome bruxa delicada isso não tem nada de céu o céu não suportaria tamanha intensidade teu vírus não tem cura tua mão na minha a cada passo simples assim

13.9.11

porcas manhas

daqueles dias de gírias indômitas
cavavam na pele a gastura dos meus ouvidos
de gasto era meu colo teu
da fome que corroía a leveza
de ti restou a corda do arco com teu cabelo
da rabeca que tocava, o eco
quando morri, juntei folhas de repouso
meu ninho cravejado de espinhos que te emprestei a passeio
docas e docas nadei e afoguei
porcas manhas das tuas agruras
arranhando desde a ponta
da caixa que te fiz
ao enterro dos meus pés na água congelada


11.8.11

bastante

do tempo em que o calor era bom
quando as cinzas torneavam tua face
colada na minha
eis que me rendo
íntegro - hoje - integro a parte que te falta
na tua indiferença me basto
com meus calcanhares puídos
contando quimeras
letras em letras
alvitres
do que dissimulamos
parafraseamos
distanasiamos

1.8.11

num instante

balbuciei palavras trêmulas
segurei teu braço com força
tingi tua pele com a minha
apertei tua voz contra meu peito
do eco, se fez nossa alcova
no instante em que teu olho agradeceu
e quando do sono se fez realidade

28.7.11

Curtos

Nem só de trovão se faz um delírio
Da casa de dentro de fora afora as delongas
Costurando aspas em meus devaneios
Tropeços nos fios curtos dos teus cabelos
Onde faria morada
Transverso ao que te negas
Do que te entrego em ondas

(para todas as mulheres de cabelos curtos - que são as que prefiro)

27.7.11

ficamos assim
um lá
e outro cá

na nossa razão

coração?

de ponta a ponta te soube

te quis mais que meu orgulho

mesmo assim

no meio de outrem

uma página que viraria e acabou rasgando

26.7.11

Amar é morrer um pouco - e, também querer matar

Meu Amor
Yanto Laitano

Meu amor, eu te odeio
você me perturba
E um dia ainda vou conseguir te matar

Meu amor, não sei o que eu sinto
Tô num labirinto
E esqueci de trazer um fio prá retornar

Mas meu bem, tudo bem
Meu bem, tudo bem
Eu juro que levo teus olhos castanhos comigo

Meu amor, não fale comigo
Sou teu inimigo
E um dia ainda vou conseguir te matar

Amor, cale tua boca
E tire tua roupa, benzinho
E vamos acalmar nossa dor

Mas meu bem, tudo bem
Meu bem, tudo bem
Eu juro que levo teus olhos castanhos comigo


Curte aí a canção ao vivo no Theatro São Pedro.


Falando nisso o Yanto Laitano toca no bar Macondo Lugar no próximo sábado, dia 30.
Promete ser um show muito bom.
No site do Yanto tem todas as músicas do disco Horizontes e Precipícios pra ouvir ou pra baixar.

Mais infos aqui.

Sabrina (Capítulo 1)

Foi numa daquelas tardes quentes que a gente torcia a testa pra enxugar o mar de suor dentro daquela salinha sem janela. Ele saiu pra fumar um cigarro - na rua, uma nesga de sombra cobria parcialmente o corpo de um rato morto sobre a calçada - e esfriar a cabeça depois da discussão com a sogra.
Na manhã havia acordado com o barulho do metrô que colidira com um motociclista bêbado. Não há humor que resista. Ainda levantar e encontrar a sogra na cozinha de chambre roxo com flores amarelas comendo cuca de laranja com chimia de uva. Aquele olhar soberbo e um resmungo de bom dia "seu bosta". Ele não quis controlar a porra da boca. Enfiou logo o dedo na cara da velha e descarregou palavrões acumulados desde a última visita. Em seguida acendeu um cigarro que mal conseguiu fumar. A inquietude mental fazia com que seu corpo tremesse até o bigode. Jogou logo o cigarro que pipocou na parede e caiu no pé do sofá com forro puído pela bunda gorda da mulher que passa os dias fazendo crochê para os panos de prato que vende para as vizinhas linguareiras.
Os dias de trabalho no empacotamento do moinho de farinha eram molestos. A carga era parelha com a pressão do diretor que fiscalizava cada pacote antes de encaixotar. O salário motejava a desgraça ao fim do mês. Pensou várias vezes em sair de casa e começar a assaltar velhinhas na praça. Não era justo com a vida fazer isso. Tomar pau de brigadiano, virar mulher de negão aidético no xadrês. Tergiversando esses pensamentos seguia a rotina modorrenta no subsolo da "firma".
Quando tentou acertar a bituca no rato que jazia a sua frente sentiu a presença de alguém e segurou o ato. Era hora de saída do colégio próximo. Um grupo de alunos primários passava. Comentavam extasiados a briga da hora do recreio. As meninas arrodeavam o vencedor. Os puxa-sacos vangloriavam-se de sentarem próximos ao mais novo maiquetaisson do bando. Na roupa ele carregava a marca vermelha de sua vítima. Chutes na barriga, socos e mais socos na cara do infeliz que ousou cumprimentar a mina mais bonita da turminha do galo. Ela obviamente vinha na frente do bando. Imaculada e brilhante. Com o sorriso amarelo. Porém feliz em ser objeto de disputa e ter algum valor na vida. Nem era tudo isso. Menina de cabelos pretos, pele muito branca, olhos pretos, tatuagem desbotada no pescoço. Saviano brecou o braço de um moleque que representava o golpe de misericórdia de seu ídolo. Nesse momento seu olhar cruzou com o dela.

20.7.11

drops sem peso

Não me contento com drops da tua alma
Não sou tão tão leve assim
Pesam-me os ossos
Os da cabeça exigem quilos
Os do peito, toneladas
Não me basta teu cabelo
Não me basta o teu cheiro
Não me bastam teus segundos
Sou viciado em ti

aquele lance de ver o nome ali ao lado
estático
não sobe, não desce, não muda
fica ali parado
inerte
fixado pela dúvida falsa, pelo pavor dissimulado
o que não para é a busca por ele
por movimento
sentimento
sinal verde ou lua
lua. lua de coração? talvez
meia lua ou eclipse? eclipse
lua cheia? só se for nova. negra
ou sorrindo com a fase
que fase?
a velha caquética
plaster caster
e o sentimento é esse monstro gigante
sem braços, nem pernas
cambaleando
pendendo pra cá e pra lá
dentro de uma caixa de ossos prestes a explodir
fraca e que não sabe dividir espaço com o resto

trovoada melancólica

Daquele dia que te reneguei
Tão doído e ácido
Tão grande quanto as mentiras que eram
Das que te mentias
Das que eu mentia e me mentias
Como a faca invadindo a carne a furo já feito
(E cravando mais e mais)
Da corda que não asfixia
Da distância que meu coração não sacia
Jaz a palavra que não mais respeito


.
Apanhador Só - Nescafé
.

15.7.11

vento

venta, vento
norte, norte
forte
que algo me importe
cicatrize o corte
venta, vento
venta
lento
lamento

2.7.11

"do que é amor ficou o seu retrato"

meu coração sempre teve pressa.
nunca entendeu - nem quis - teus quandos e ondes.
ele só quis pulsar. quebrar. bater - por vezes no sentido agressivo.
e não era por que era doente.
ele não o é.
pode ele ser de um rítmo diferente?
pode.
provavelmente.
provavelmente ele te esculpiu.
da forma que ele imaginou.
com a batida frenética. típica dele.
ele negou outros batidos.
outras faces e outros amores.
tantos que nem sabe contar.
ele bateu sem sentido e segue.
mil vezes bateu descompassado pelo teu passo.
pelo teu desdém.
por acreditar que a hora se fazia pelo jeito.
e não pela canastra que oferecias a ele.

*retratos são legais porque guardam momentos.
há momentos que não tem retratos.
talvez, esses pretendam ser esquecidos.

29.6.11

dos teus beijos sem amor

de quando tu não desabrochas, eu nem saio da fruta.
apodreço dentro da casca e morro.
das volúpias da carne que te vê e não te consome. do afago.
do que insiste em te consumir. do que nem me dá.
do que eu escondo. do que escancaras.
quando inverto, dás nó.
quando invento, taciturnas.
folgo e gozo quando tua boca alcança a orelha.
mesmo quando efêmero é.

te aprendo.
te sinto.
e vou.


24.6.11

do que nem sei o quanto gosto

da noite que o gelo entrava pelos furinhos da janela
quando tua orelha era quase vermelha
que de tanto vinho que misturou com cerveja ficou surda
que a lembrança daquela lástima ficou turva
que o turvo ficou perene
que o que mal segurava o suspiro
virou abraço
que o virtual virou travesseiro
o que era cisma virou saudade
e a saudade, essa, é só encarte

(pra ela que foi ali e já volta)


19.6.11

das laranjas que rebolam ao vento



O vento norte, quente, barulhento, quente e barulhento
Faz com que a imaginação carregue umas coisas para os dedos. Sentado aqui, assistindo ao bom dvd da Maria Gadú vejo as árvores ali fora deitando empurradas pelo vento que já se tornou intransigente.
Mas o legal é o rebolado da laranja no pé. Me chamou a atenção a dança. Quase um cara-caramba-caracaraÔ.

18.6.11

Marcha da Liberdade em Porto Alegre

Cerca de quinhentas pessoas se reuniram neste sábado para defender o direito a ser. Ser mulher, ser homem, ser homossexual, ser usuário de maconha, ser estudante, ser cidadão. O direito a ser respeitado, aceito, ouvido. O direito a ter direitos. O tempo cinza limitou-se ao céu de Porto Alegre. O chão, onde estavam os pés dos manifestantes, esteve colorido com os infinitos tons da liberdade. Até a chuva esperou a dispersão dos indignados para jogar alguns pingos, e mesmo assim logo se arrependeu.

Andando, sentando, pulando e correndo, quinhentos jovens de todas as idades marcharam do parque da Redenção até a antiga prefeitura de Porto Alegre, gritando por liberdade, por redenção. Enquanto a Globo dizia que “a polícia não conseguiu garantir o direito de ir e vir dos motoristas", os jovens porto-alegrenses criavam ecos e faziam eco a movimentos semelhantes que aconteciam ao mesmo tempo por todo o Brasil, e gritavam que “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”, e que “o povo não esquece, abaixo a RBS!”.

O povo gritou, nas gargantas ou nos cartazes – assim como os muros, mídias do povo – que está “lutando por liberdade pra construir uma nova sociedade”, que faz “apologia ao debate”, e que “ideias são à prova de balas”. E perguntou: “Se reprimir é o certo, por que tá tudo errado?".

Partidos e não-partidos, entidades e não-entidades, pessoas. Muitas das principais pautas de todas as juventudes brasileiras estiveram representadas na Marcha da Liberdade em Porto Alegre. Não houve qualquer conflito com polícia ou população. Pelo caminho, muitos transeuntes sacavam celulares e máquinas fotográficas e registravam a versão brasileira dos movimentos de indignados que começam a acontecer pelo mundo. Muitos outros aderiam à caminhada sem convite direto: o melhor convite foi a própria pauta de reivindicações. Buzinas pelo caminho de ruas parcialmente tomadas por gente? Apenas saudações simpáticas à batucada e aos passos que seguiram rumo à democracia real. Já.

Alexandre Haubrich – www.jornalismob.wordpress.com

A marcha propositalmente sem fim


Sábado de sol. Um dia depois de outro em que um dilúvio caiu em Santa Maria e na minha cabeça. Uma sexta-feira quase treze - com direito a Jason e tudo. Acordei zoado de uma noite cheia de cerveja e um rock quase bom. Aquela comida requentada da madrugada ainda se remexia dentro do meu estômago.

Tudo bem, passou. É outro dia. Dia da Marcha da Liberdade.
Eu, como jornalista, ou quase isso, não podia deixar de estar presente.
Algo de tanta repercussão no país por conta de muita confusão em São Paulo advinda da marcha da maconha. Esta que, agora, está liberada oficialmente. É legítima por lei.

Mas não é disso que eu queria falar.

Fui. Assim como tantos outros que estavam lá, com a curiosidade e quase uma desesperança de que seria um movimento uníssono de uma causa. Talvez essa curiosidade e, até, pouca infirmação, fez um grupo, de quase duzentas pessoas, se reunir na concha acústica do parque Itaimbé.

Maconheiros, viados, lécas, artistas, chimarristas, sambistas, jornalistas, vereadores, trabalhadores e todos os estereótipos possíveis estavam lá por uma causa. Uma causa calada e velada há tempos. A causa de se fazer presente, de mostrar a cara, de gritar e fazer barulho para que suas causas de vida fossem ouvidas.
A questão não é a maconha, não é a sexualidade.
Essas coisas estão cravadas na sociedade, ninguém tira. O que se queria ali era chamar a atenção para que o mundo, ou quem legisla, pense em um coletivo e não na sua ideologia caquética e enferrujada.

Estar na Marcha da Liberdade fez pensar, apesar umas cervejas, que a vida não precisa ser assim tão sem brilho, sem barulho, sem shake-your-body.

A marcha foi pela liberdade de expressão, pela liberdade de SER.
E ser é importante.
Ser é o que nos mantém vivos e pensantes.
Faz com que a gente acorde e vá ao banheiro, olhe no espelho e diga bom dia.

Vida é marcha sem fim - ou com um fim que é a morte.
Enquanto não morrermos, estamos lutando.
Por amor, por carinho, por reconhecimento do que somos.

E o que somos é nosso e ninguém pode proibir.

*fotos da queridona Carolina Cornelius Reichert

11.6.11

dos olhos verdes e saia curta


Né... fala sério!
Ela caminhava sempre naquela marcha sensual e firme.
Seu rosto levemente arredondado, boca larga e lábios grossos e vermelhos. Olhos verdes. Cabelo escuro. Estatura baixa, seios fartos.
Certa vez a vi sentada no bar da esquina, era umas quatro da tarde. Uma pequena porção de luz do sol ainda lambia a perna da mesa, pincelando de amarelo a coxa delgada, fazendo brilhar os pelinhos tão finos quanto o possível de enxergar. Já tinha visto ela com aquela saínha jeans. O verão é a estação perfeita pra ela. O inverno não tem o direito de privar o mundo daquelas pernas, barriga e seios esculpidos por algum artista que a fez como obra fundamental. Estado da arte.
Na ocasião, eu vinha correndo de uma entrevista e precisava entregar o texto pro revisor em quarenta e cinco minutos.
Era uma matéria sobre a patética reforma que tavam fazendo do praça principal. Então vou eu passando pelo bar da esquina e vejo aquela cena surreal. E mais surreal foi ela ter sorrido pra mim. Vocês não vão acreditar. ELA ACENOU E ME CHAMOU. Como assim?
Fiquei um pouco sem jeito e perguntei se era comigo mesmo. Ela confirmou com a cabeça enquanto caía um pouco da franja sobre os olhos e o nariz. Os três segundos que fiquei paralisado ao ver a cena pareceram três horas. (imaginem essa cena com uma iluminação fria e azulada).
O copo de cerveja que ela segurava na mão esquerda refletiu um raio de sol que fez o favor de me tirar do transe. Obviamente fui até a mesa dela - agora já nem importava mais a figura do revisor na história - e perguntei em que eu podia ajudar. Ela disse pra eu sentar na mesa que precisava de companhia, estava muito triste - adeus revisor.
Disse que o namorado tinha terminado com ela - que imbecíl.
Me convidou para ir a uma festa e tomar todas as champanhas possíveis. Aceitei.
Fomos para a casa de uma amiga saída da mesma forma que ela. Porém, ruiva.
Passamos algumas horas falando sobre como a vida é injusta com as pessoas - naquela situação não havia injustiça nenhuma em minha vida.
Por volta das duas da madrugada ela foi ao banheiro e demorou um pouco a voltar. Sua amiga foi ver o que tinha acontecido e também sumiu. Poxa. Fiquei preocupado. Ouvi um grito seguido por risadas das duas. Obviamente, fui verificar. Sim. Elas estavam seminuas sobre a cama com lençol de seda preto. Sabe aquela cena de filme? Pois é.
As duas perceberam que eu estava escorado na porta paralisado. Sentaram-se encostadas na parede e, simultaneamente esticaram os braços e com o indicador me convidaram para o que seria a maior festa sexual que a minha vida poderia suportar. Duas ninfas, provavelmente saídas da mente de Nabokov, e eu. Como num flash, eu estava sobre a cama só de meias. (?)
A amiga ruiva, me puxou pelo cabelo e beijou meu pescoço enquanto a semideusa morena jogava champanha sobre o peito. Flutuamos em um ato surreal. Mas, né. Fechei os olhos enquanto beijava os lábios macios das duas ao mesmo tempo.
Ao abrir os olhos me deparei com uma senhora sem dentes e quase careca sorrindo pra mim e dizendo: vem cá, garotão!

*sonhei isso noite passada.

8.6.11

Querido Inverno


Querido Seu Inverno

Escrevo essa carta pois creio que houve um equívoco em sua ação nos últimos dias. Acho que o senhor está errado. Ou, ao menos, está olhando o calendário de outro ano. Sei lá o que o senhor fez! Anda bebendo demais?
Faltam ainda uns 15 dias para que o senhor possa aparecer. E aviso que já há uns 20 que botou o narigão aqui no mundo. Veja bem: isso não é muito legal, visto que tem coisas que precisam ser respeitadas. Como os semáforos pelos motoristas.
Seu dia de nascimento é por volta de 21 de JUNHO. Estamos apenas no dia 8 e tá frio pra dedéu.
As pessoas precisam se preparar.
Eu, por exemplo, já não tenho mais ceroulas e mijões e camisetas de manga comprida para usar. Não é assim tão fácil as mamães lavarem as roupas no frio e na chuva. Não seca.
Agora eu tenho dormido com três - três - cobertores. É pesado.
Minha aula é de manhã. O senhor faz ideia de como é levantar da cama com 2 graus de temperatura e sensação de -9?
E depois de levantar ter que ir parar embaixo do chuveiro?
Não! Isso não está certo, seu inverno.
Tenha um pouco mais de calma e depois que vier nos congelar, tenha mais pressa em sair.
Meu pai fica triste. Porque no inverno é ruim de beber cerveja.
Ele diz que tem que tomar vinho daí. E vinho da azia, segundo ele.
Aqueles momentos de solzinho e bergamota não são suficientes pra abafar a brabeza que me dá quando eu acordo e não quero colocar o nariz pra fora das cobertas.
Mas minha mãe diz que eu tenho que ir pro colégio.
Se eu não fosse pro colégio eu não saberia escrever essa carta. Minha mãe tá é bem certa.
Volto a lembrar que o senhor é quem está errado, seu Inverno.
Peço que repense sua atitude e só reapareça daqui um tempo mais.

Um abraço cordial desse amigo que gosta do senhor só por alguns momentos particulares.

Atenciosamente, Rodrigo Ricordi, 9 anos, vivente em Santa Maria.

*carta supostamente fictícia. imagem real, mas sem fonte. :)

6.6.11

back do beck

fumarei
I'll be back
um cigarro e não um beck

(praquela do tempo)

22.5.11

teatralizo

quando da boca do palco estende a mão e sorri
quando joga o cabelo molhado
do suor dos aplausos que te dedico
nos sonhos daquelas noites
em que és tão presente quanto teu cheiro
ao lado do travesseiro
quanto aquela mão apertada que sorri
dizendo calma
teatralizo quando te sigo até o profundo da noite
e te afago o dorso
quando o vapor de mate com mel aquecem tuas tensões
quando te afogam e quando te casas
quando te iluminam e quando te apagam
quando és mais que uma
ou quando és a luz e a estrela e o chão
quando tua feição me dá impulso
quando teu riso obriga o meu a nascer
quando o meu ranço vira piada e some
teatralizo ao dizer teu nome

20.5.11

both

quando era do âmago era simples e era vulgar tanto que nem tinha pulgas mas carrapatos não tinha nem aquelas rodas que giram a falsidade e formam um flash de coisas que passaram e acabaram por se esconder na encosta mais próxima ao coração da dubiedade do passo a dar pra frente da duplicidade traduzida em descontentamento que bate hora ali hora além que não goza da maior alegria sobre o leito pela incapacidade da alma ser dividida e partilhada com naturalidade fica sempre a questão óbvia ética poética eclética imagética frenética PATÉTICA

9.5.11

O Serial Killer que não desistiu a tempo

Após o penúltimo assassinato eu fiquei naquela zona de conforto pós-sangue. Ah! Como foi bom fazer aqueles cortezinhos cirúrgicos! Mas minha última vítima foi complicada.
Eu vinha observando ela por um bom tempo. Ia anotando seus passos e sua rotina.
Eu sempre alternava meu disfarce para não chamar a atenção da moça. Jamais conseguiria ser um assassino se fosse bonito. Mulheres morenas e altas – minhas preferidas – jamais olhariam para um cara barbudo e de óculos em um bar, por exemplo.
Eu sabia todos os lugares que frequentava, que horas acordava, que horas almoçava, que horas ia aos pés. Sabia bem os banheiros que ela preferia para fumar escondida nos restaurantes. Um dia acordei e pensei: chega não agüento mais de saudade daquele sanguinho quentinho saindo de uma bela morena. Dei aquela chicotadinha nas minhas costas e bolei o plano. Depois disso a minha vida começou a virar um inferno.

Na noite em que resolvi matar Lorena eu já saquei que algo estava estranho. Ela entrou no bar pra comprar cigarro, me olhou e sorriu. Ela NUNCA tinha feito isso. Pensei que meu disfarce estava funcionando. Mas tudo bem, fingi que não vi e não retribuí. A ideia era a seguinte: eu ia seguir ela até a rua XVII. Quando ela dobrasse a direita eu seguiria reto e pegaria a moto para fazer a volta na quadra mais rápido que ela. Na passagem do beco, eu ia ensacar a cabeça dela e jogar dentro da van.
Incrivelmente, ela saiu do bar e tinha muita gente na calçada. E percebi um homem do outro lado da rua – que depois fui apresentado como Bruno – falando num celular e olhando pra ela. Logo vi que ela atendeu e olhou pra ele. Cruzou a rua e os dois foram juntos até o teatro. (Sabia que deveria ter grampeado o telefone dela.. acho que ela está começando a namorar).

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã ou depois. Mas vou mudar a estratégia.

Quinta à noite ela sempre ia ao mercado. Mudei o disfarce. Coloquei um terno e a segui até a loja. Comprei um Ruffles e um capuccino e fiquei comendo no carro até ela chegar ao caixa. Ia oferecer ajuda para colocar a compras no porta-malas e tentar marcar um encontro. Eu tava muito bonito pra ela recusar um café. Me distraí e quando percebi, ela já estava chegando perto do carro. Levantei correndo e não me dei conta que tinha colocado o cinto de segurança. Resultado: mancha na camisa. Assim não dá! E ainda por cima vi que o namoradinho dela estava no carro. Ele me viu limpando a camisa com o lenço de papel. Eu batia a cabeça no volante de raiva e ainda por cima bati a cabeça na buzina quando o carro dela passava ao lado do meu! Ela também me viu. Menos um disfarce, mais um plano para elaborar.

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã ou depois. Mas como?

Na sexta ela sempre vai naquela boate chinfrim na rua 51. Boa noite Cinderela na moça!
Ela sempre toma aquele drink verde de menta, vodka e tônica. Barbada. Vou distrair ela e colocar o pó na taça. Perfeito. Depois eu sento com ela e a levo pro meu lugar preferido: o sótão da minha casa. Onde eu corto aquelas pernas e braços lindos e morenos e monto as perucas dos meus disfarces. Mas o universo realmente estava conspirando contra mim. Era muito azar.
Ela chegou, pediu o drink e assim que chegou eu sentei ao seu lado. Pedi o mesmo que ela e coloquei a droga. Puxei papo e troquei as taças sem ela perceber. Ela sorriu e conversou comigo um pouco. Quando ela estava levando a taça a boca um bêbado começou a bater com a cadeira no garçom que esbarrou nela e a bebida foi toda, todinha pro chão. E eu não tinha droga reserva. Imagina a minha raiva. Eu juro que chorei de raiva. Eu não agüentava mais. A minha crise de abstinência estava me matando. Eu sonhava com um mundo vermelho, com pernas e braços andando pelas ruas e gritando meu nome. Era pesadelo atrás de pesadelo.

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã. Mas agora ela pode me reconhecer. O que fazer, por final?!

Já sei! Agora vai!

Restaurante e banheiro. Cigarro e morte. Eu sou um gênio! Como não pensei nosso antes!

Sábado é o dia que ela janta com as amigas. Sem falta. Vou pegar ela no banheiro e tirar pela janela dos fundos. É barbada e no sábado a noite não tem carga e descarga atrás do lugar. Não pode fumar e eu SEI que ela toma uns goles e fica a fim de fumar, vai ao banheiro e fuma. Eu sei. E já segui ela até a porta do banheiro.
Cheguei antes, pedi um yakisoba e uma jarra de vinho barato. Ela chegou junto com duas meninas loiras e sentaram na mesa de sempre. Cerveja vai, cerveja vem. Porções de camarão e batata frita. Aqueles gritos e risadas que só as meninas sabem fazer ecoar dentro de um lugar fechado. E nada de ela ir ao banheiro. Já estava ficando tonto com aquele vinho maldito. Minha impaciência já estava me esmurrando a cara.
Mas finalmente ele levantou e desfilou em direção a morte.

Contei até 10. Eu tremia de excitação e alegria. O choro que era de raiva quase saiu em forma de alegria. Era hoje o dia! Levantei e fui em direção a ela. Rolou aquele encontro no corredor de entrada dos banheiros em que os dois desviam pro mesmo lado, sabe?
Eu senti o perfume doce que vinha dos cabelos negros e longos.
Esperei ela entrar no banheiro. Contei um minuto e meio e entrei atrás dela. Não senti cheiro de cigarro. E ouvia só um barulho de água escorrendo. Começou o meu desespero e minha mão esquerda começou a tremer. Quando dobrei para a parte em que ficam as pias e vi aquela morena estirada no chão, segurando um cigarro, imóvel e com a cabeça toda ensangüentada. Ali eu ajoelhei, chorei e gritei de raiva até que uma garçonete entrou para ver a cena. Eu gritando desesperadamente e batendo com a cabeça na parede: a pia! Perdi para uma pia! Uma pia!

*dedicado a Carolina Carvalho que me indicou o seriado Dexter

3.5.11

Entrevista: Ignorância

Ela desfilou discreta pela praça Saldanha Marinho. A segui por alguns minutos circulando na Feira do Livro de Santa Maria. Ela comprou um crépe de coração com catupiri e uma Coca-Cola. Sentou em uma das cadeiras da praça de alimentação e postou seu notebook sobre a mesa. E ali sentada sorria e digitava algumas coisas rápidas e logo em seguida sorria novamente. Fiquei curioso. Discretamente fiz a volta e passei por trás dela e vi que ela estava acessando o Twitter. Podia, por que há rede wireless livre na área da Feira. Então pensei: "Acho que vou falar com ela. Queria saber o que ela pensa sobre as coisas que disseram sobre ela em cartazes espalhados pela cidade."
Comprei um Sprite - prefiro Sprite a Coca - e pedi licença para sentar. Me apresentei como Rodrigo e disse e perguntei se podia trocar umas palavrinhas - típica técnica de aproach de jornalistinhas como eu.

O que me surpreendeu de início foi que ela disse: "Senta aí, @karekaricordi. Já te conheço. Te sigo no Twitter. Bom te conhecer pessoalmente!" Que pessoa amável! Sabe aquelas criaturas queridas que dá vontade de apertar? Ela é assim. Inofensiva, quase não existe.

Então propus de escrevr o perfil e ela adorou. "Pode me chamar de Igui", disse gentilmente. E comecei as perguntas que transcrevo na íntegra aqui. Para que todos tenham bastante o que ler. Senão...

Eu - Ignorância, já ouvi falar de você incontáveis vezes. Como tu lida com essa fama e essas pessoas que te citam diariamente no mundo todo?
Igui - Olha, Kareka, meu bip toca muito durante o dia. Ele tem duas luzes. Uma verde e uma vermelha. Parece um semáforo. Não para de trocar. A luz vermelha significa que estão falando mal de mim ou estão me citando de maneira errada. Ou seja, se fosse uma sinaleira, os carros ficariam parados por muito tempo.

Eu - Por isso tu veio na Feira do Livro?
Igui - Não só por isso. Vim para tentar falar algumas coisas. Mas não me deixaram. Eu queria falar sobre a campanha de divulgação. As pessoas não quiseram abrir esse debate. Acho que ele é interessante. Tem um palco ali, cadeiras. As pessoas poderiam se interessar por conversar sobre mim e cultura. Sobre mim e preconceito, e sobre o que eu ralmente sou e no que interfiro no mundo.

Eu - Qual é teu contraponto em relação à campanha?
Igui - Eu achei que a intenção da campanha foi genial. Porém, ela passou quilômetros do ponto. Principalmente por me citar. Eu não fiz nada pra eles! Estava quieta na minha. Eles insinuaram que eu sigo e persigo pessoas que não lêem livros. Isso é mentira! Eu não sigo pessoas completamente. Sigo pessoas em partes. E mesmo as que lêem livros e as que dizem que pessoas que não lêem livros SÃO ignorantes. Esses, quando eles ignoram o real sentido do que eu significo. Mas só nessa parte né. Por que eles não são ignorantes na maior parte do tempo. E nem quando passam o dia no tuíter. Imagine só um colega teu que trabalha com atualização de mídias sociais. Ele passa o dia no FaceBook, no Twitter e no site em que trabalha. E o incrível é que ele sabe muita coisa. Pelo menos, como mexer nessa tralha toda, coisa que eu não sei nenhum pouco, sou ignorante. Só mexo no Twitter. Nisso, eu sou contra no teor da campanha.

Eu - Comprou algum livro?
Igui - Não! Não sei ler livros. E não quero aprender. Vai que eu mudo minha personalidade. Deuzulivre! Preciso manter a forma. To aqui comendo esse crépe com Coca e depois vou ali fora fumar um cigarro. Queria tomar uma cervejinha, na verdade. Mas não tem aqui pra vender e nem posso comprar ali no bar da esquina e trazer. Enfim, né. Coisas da vida que nos são impostas.

Depois desse papo, eu agradeci e fomos fumar um cigarro e tomar uma cerva do lado de fora do lonão, lá onde ficam os cachorros.

29.4.11

A República da Farinha – o momento dos grandes partidos políticos brasileiros

A atuação dos partidos políticos brasileiros hoje pode ser explicada através da farinha. Já tivemos o Ciclo do Açúcar, o Ciclo do Ouro, o Ciclo do Café. Tivemos até a versão político-institucional mais chique, mais cheia de fricotes, o café-com-leite, assim com hífen e tudo. Pois hoje vivemos o Ciclo da Farinha. De sacos diferentes, mas ainda assim farinha.

Peguemos os mais encorpados partidos do país e vejamos se a farinha não é o elemento comum entre eles, se não é ela quem norteia os rumos da política nacional. A farinha, unida a doses variáveis de fermento, é a receita geral, ainda que um ou outro mestre-cuca da alta elite culinária prefira a farinha que passarinho não come.

O PSDB segue a receita da vovó estrangeira, que vem e volta ao Brasil de acordo com suas conveniências, mas não gosta muito daqui. De qualquer forma, ela está sempre em contato, enviando sua mais nova receita aos filhinhos tucanos, nova receita que é sempre a mesma. Está caduca ou apenas quer fixar bem seus ingredientes na nossa cabeça? Bondosa. Fato é que o contato é sempre através de cartas, para que venha junto seu cheiro de enxofre, tão agradável ao olfato das aves de bico longo que habitam essas paragens.

A receita do PSDB baseia-se, teoricamente, em fazer o bolo crescer para depois dividir. Mas, cozinheiros amadores que somos, sabemos que em qualquer casa que se preze quem está na cozinha acaba por decidir o quanto quer comer. Se muitos estão ajudando a fazer o bolo, muitos comem, irremediavelmente. Se poucos se fecham a sete chaves na cozinha, fazem um bolo enorme e comem tudo sozinhos.

Mas não veja no PSDB ou em sua avó estrangeira muita criatividade. Com problemas para manter o peso, os tucanos pouco mais fizeram do que deixar mais light a receita usada pelo seu primo DEM, receita essa criada pela querida vovó deste último, a Dona Arena. Essa rigorosa senhora passou a tal receita para o seu filho, o PFL, que repassou para o DEM. Os passos são mais ou menos semelhantes aos da receita do PSDB, mas, para fazer o bolo como prefere o DEM, bata bastante. O bolo da Dona Arena também tem um gosto um tanto adstringente: enrola a língua do vivente, dificulta a fala. E é preciso comê-lo com cuidado, sem estardalhaço e com um ritual determinado anteriormente pelo cozinheiro. Caso contrário o cidadão ficará chocado com o que pode acontecer.

O PT, por sua vez, nunca teve muitas condições financeiras para comer bolo. Comia terra, mas comiam todos. Desde 2001, essa realidade mudou. O PT ascendeu à classe média, e ganhou até o direito a fazer seu próprio bolo. Fez, faz, e tem distribuído os pedaços para mais gente. Mas não deixa mais ninguém entrar na cozinha, e a receita, que pegou emprestada do PSDB, ganhou apenas um pouco mais de açúcar.

E o PMDB? Bom, esse não sabe cozinhar, mas come o que vier. E pede para repetir.

Alexandre Haubrich, jornalista e editor do blog Jornalismo B

5.4.11

pour toi, mon cœur

Eu jamais dei muita bola pra essas datas festivas.
Eu jamais dei bola pras coisas perdidas.
Pros anos que passaram e a gente nem sentiu.
Pros dias em que acordamos
e lá estávamos de braços dados contra o vento que tentou nos derrubar e não conseguiu.
Nem vai.
Te escrevi poemas picantes, blazês e piegas.
Te vivi como irmã e amante; como amiga e mãe; como alegria e saudade.
Saudade essa que sinto todo dia que não tenho a honra de te ter junto a mim.
Poderiam ser duzentos senão nove, seria a mesma coisa.
Feliz sou de estar do teu lado no dia em que o sol te nasce... fechando mais um ciclo.
Te amo do mesmo jeito que a flor ama a abelha, porque ela sabe que, a partir dela, sobrevive em outro galho.
Feliz Aniversário.

3.4.11

aquelas tardes de samba e sol bem longe

quando eu nem sabia o motivo de ser ignorado depois de uma noite em que nem sei o que o samba me fez e depois voltou na tarde do outro dia e que sambei o coração o pé o braço e a sombra daquele passado que nunca foi presente nem futuro do grito preso na ponta do dedo da incapacidade de dar mais que três passos pra frente sem das duzentos pra trás e da fúria daquilo que nunca vai ser o que teve a pretensão de ser por que não era honesto e agora é uma aliança enfiada no dedo de quem cortou os meus porque é tão fácil usar pessoas como se elas fossem camisinhas e como diria o cartola a sorrir eu pretendo levar a vida porque as rosas exalam o perfume que roubam de ti e as horas passam já nem são trezentas

30.3.11

300 horas

das tantas horas que te vi só em letras e uma imagem
daquelas tantas maneiras de chamar a cada anoitecer
quando a madrugada virou mesa de bar
das fantasias que discutimos para driblar a distância que teima em ser presente
das Gabrielas no jornal
das vezes que quisemos avançar a ciência e diminuir o tempo e o espaço
dos chás de limão e pêssego que nem combinam mas nos deixam acordados
(não que haja necessidade)
das duzentas e oitenta e oito horas quais estarás além
e das doze que te dou pra me abraçar

(pra ela que, às vezes, é Gabriela)

29.3.11

do ato do merecimento mútuo

nas noites em que com o dedo em riste te torturei
o canto daqueles jargões de mães tolas e falsas referências
ofereço-te agora a parte que não sustenta nem aquele fio de candura que dissimulaste
aqui existe um gorfo de lenda, paixão
nauseia-me tua presença


no mundo





.

21.3.11

das noites

quando passas assim tão intensa na tua mania de me fazer rasgar envelopes nem imaginas que dói esperar que cada pedaço do meu coração volte a ter cor daquelas noites em que sentir teu cheiro me consumia de rir daquele tempo em que teu corpo evitava a distância do meu quando contávamos aquelas longas filas de estrelas da janela do teu quarto quando fumávamos na sacada quente de sol do verão fios ardentes embolados entre os trapos sobre a cama que hoje é vazia

20.3.11

dos dias

daqueles passos
em direção ao que nem via
criava atucanado a solidez da solidão
julgando próprio o que nem mesmo tinha corpo
imprório e tangente
quase fuga
dos dias que passaram
como se fossem apenas segundos
dos dias que agora passam
como eras
daquelas lembranças
resgatadas por sons
e vozes que cantam palavras
que acabam por machucar

17.3.11

por nada

por nada ouvi muitas vezes depois de dizer gracias por nada me submeti a ser um imbecil por nada acreditei que o verde era amarelo por nada olho as fotos de uma vida que não foi minha por nada fico esperando que algo surja e do nada e por nada eu vou dormir pensando que amanhã é outro dia e por nada eu vou seguir assim por nada lembro do teu sorriso (que nunca é só riso, é sempre gargalhada) que me basta fechar os olhos e sentir e lembrar

16.3.11

o homem que me copiava

Olha isso.. esse tal Caio Fernando Abreu... nunca me leu e escreve do mesmo jeito...

“sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes pra abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calado um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu deus como você me dói vez em quando.”
(Fragmento de Os dragões não conhecem o paraíso)


A Ana B. tava lendo meu blog e perguntou porque eu tava escrevendo como ele.
Eu respondi que não conhecia a obra e que não tinha tido paciência nem de ler Morangos Mofados.
Aí ela me mostrou esse texto que tava no blog do Grings.
Esse tipo de coisa acontece.
E esse texto veio bem a calhar no dia de hoje.

desespero-te

daquele pecado que era mentira daquela ação que era reacionária que era honesta que era bela aquilo que parecia tão carnal que cheirava a sangue fresco daquele beijo draculeano que ninguém mais escapa resta uma sentelha de algo que era assim e ficou falso que soou falso e que desapareceu como o conde no ar como se evaporasse como aquela poça (de um discurso anterior) daquele bloco que deixou saudade mas que hoje parece conto de fadas volto ao meu bloco igualzinho ao dos hermanos sozinho daquele aguardo me desapego descontente desconexo descuidado desesperado desespero-te

*para ela que lembra de mim quando ouve esse som

dos recados que apaguei do orkut

"nao haveria luz senão fosse a escuridão" (mas isso diz a música do post abaixo) na verdade não haveria muita coisa se não houvesse a amargura a tensão a vontade essas são coisas que apimentam a vida do serzinho maluco que vive sob a nossa pele uns mais intensos outros menos (tem certas coisas que eu não sei dizer) apaguei todos os recados do meu orkut e eram na maioria recados do meu aniversario passado que um dia pensei responder acabei esquecendo e agora os apaguei por pura falta do que fazer mas dentre eles havia alguns legais de aniversário ou não (dela inclusive) de pessoas que nem me dão "oi" na rua de pessoas que nem falam mais comigo de pessoas que nem sei onde se encontram no planeta de pessoas que gosto muito e de quem nem perco meu tempo de coisas que se foram e de coisas que ficaram numa noite em que o incerto parece mais certo do que o nascer do sol da noite em que passei lamentando afirmando meu ego reafirmando meu azar esperando o tempo passar

daquelas rimas do MSN

Kareka Ricordi diz (00:21)
luzzzzzz acesaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
me espera no portão pra você veeeeeeeeeeeeeer
(cantor medíocre de msn)

Verônica M. Barbosa diz (00:22)
q eu to voltando p casaaaaaaa

Kareka Ricordi diz (00:23)
tô me massacrando aqui com o acústico do Lulu Santos

Verônica M. Barbosa diz (00:23)
pra q isso meu fio

Kareka Ricordi diz (00:23)
pq eu to triste
pq eu tô bêbado
pq eu quero sair correndo pela rua
pq eu queria morrer
pq eu queria mil coisas e não posso ter

Verônica M. Barbosa diz (00:24)
foi so p rimar

Kareka Ricordi diz (00:24)
foi quase um poema
vou postar
vou colar
nossa conversa no blog

Verônica M. Barbosa diz (00:24)
vou gritar

Kareka Ricordi diz (00:24)
vou pular (da janela)

Verônica M. Barbosa diz (00:25)
p t encontrar

Kareka Ricordi diz (00:25)
e te abraçar

Verônica M. Barbosa diz (00:25)
e suspirar

Kareka Ricordi diz (00:26)
agora sim eu vou postar

*para minha querida Verônica

Aproveito para postar uma música que julgo ter uma das letras mais bonitas que esse rapaz pode escrever

12.3.11

das noites em que o rock gritou

um beijo e um abraço nela que sempre estve esperando que o mundo desse voltas e ele deu deu como sempre dá e volta sempre pro mesmo lugar do beijo que seria branco e foi preto do abraço que seria da mesma cor e foi de duas da falta que sentia e que aumentou com o passar das horas da ânsia de que o amanhã fosse hoje das horas intermináveis que fazem com que aquilo que nem é passe a ser daquilo que foi se torne bobagem daquelas horas que a conversa virou mentira das horas em que a chuva serenou do dia em que o grito do rock virou saudade e da saudade que virou insônia e da insônia que virou verdade e que cada segundo valerá a pena dos abraços que dou na rainha da bateria

8.3.11

do confete confesso

caíam lentos com a brisa daquela manhã de terça os últimos confetes do carnaval que foi embalado por aquele gigante como o vento que gira gira gira e não anda adiante daquele afago pela madrugada da porta sem chave que não deveria abrir abriu um espaço imenso como o vórtice do furacão da tua sombra colada no chão com a luz amarela que amarela o nascer do sol e faz cada centímetro da minha sombra sentir tua pele arrepiada envolvendo a minha alma que vagava lenta ao ritmo da brisa e dos confetes em noites antes solitárias

5.3.11

da noite em que me apaixonei por uma barata

"se acaso você chegasse" lá na casa do outro lado da rua numa noite de carnaval em que só podia tocar rock e do nada tudo ficasse verde e rosa como ficam as pessoas na avenida sem poça d'água com fantasias queimadas e o beijo fosse tão tão tão bom quanto aquele samba do telefone ou das rosas que não falam e o não beijo que não é adeus e nem nada só uma questão de insignificância confessa pela falta de carinho e de adeus de quem não mora no meu barraco e podia ter morado a quem você nunca fez nenhum nenhum nenhum malzinho e no fim da noite tá lá sentado no balcão olhando pro teto com alguém que você nem conhece e aparece aquela barata e ela fica lá marrom brilhosa olhando pros dois e depois voa

1.3.11

das cartas que escrevi e não enviei

naquele tempo em que eu seguia sem receber as cartas que viriam daquele lugar o qual eu já nem lembrava mais o nome quando eu queria matar a saudade das coisas que dizias pra mim daquele imenso sentimento de pertencimento a uma história que eu contei pra alguém que nem ouviu e ali findou lembro daqueles dias em que lia uma carta por dia e escrevia duzentas e criava duas mil histórias e voltava a dormir extasiado com aquelas promessas de que a vida seria pra frente e nunca pra trás e sempre sempre sempre tudo era bonito e sempre acabava bem mesmo que o improvável batesse à porta ou o provável se confirmasse de forma mais cômica sigo aqui com as cartas que escrevi e não enviei por que não sei mais o que dizer desde o tempo em que já cego punha bitucas de cigarro acesas nos ouvidos pra jamais ouvir o teu adeus

17.2.11

Sangue na boca

Eu tinha 12 anos quando matei a primeira pessoa.
Na época eu tinha medo das pessoas. Eu via sangue por todo lado.
No fundo, no fundo, quando eu deitava, ficava imaginando aquele sangue todo jorrando da cabeça do vizinho que ficava na espreita quando eu voltava da escola. Ele cuidava na janela e roubava todas as moedas que eu conseguia pedindo no caminho de casa.
Onde eu morava nunca teve lei. Aliás, teve. Tinha a lei do revólver.
Quem tinha, conseguia o que queria. Meu pai e minha mãe era da Igreja. Eu até ia. Mas sempre vi os sermões do padre como uma arma tão perigosa e poderosa quanto o trabucão do Zé (meu vizinho).
Um dia ele veio pegar minhas moedas. Eu nem tinha, na verdade. O que eu tinha na mochila era o cano do Adenor. Ele tava fugindo da polícia e cruzou por mim na entrada do beco. Disse: - baixinho, pega e esconde pra mim. Fiquei meio assim de pegar. Mas eu sabia que se não pegasse ele ia me bater depois, no mínimo. E foi muito bom ter pego. Quando o bundão do Zé não acreditou que eu não tinha moedas fez eu abrir a mochila. Passei a mão na benga, olhei pra ele e puxei o gatilho. O sangue jorrou da cabeça dele bem como eu tinha sonhado umas duzentas vezes.
Caiu um pouco de sangue na minha boca. Tava muito perto. Senti aquele gosto de caqui verde, ferrugem, seco. Lembrei dele por dias. Foi como se eu tivesse me afeiçoado pelo gosto e pela cor.
Meio que resolveu os meus problemas temporariamente.
Logo logo surgiram mais pessoas matáveis. O Adenor nunca mais procurou a arma (parece que mataram ele aquele dia) e ela ficou pra mim. Com aquelas quatro balas. Tinha só quatro furos pra fazer.
Num dia de inverno que fazia trinta e seis graus, eu matei um cachorro que parecia uma múmia. Todo escalavrado. Manco. Doente. Ele merecia morrer.
Depois eu matei o papagaio do vizinho. Ele era muito chato e não me deixava dormir no domingo de manhã. Fazia mais barulho que o pagode que começava às nove horas na laje em cima do meu quarto no barraco. Mirei da janela da sala. Acertei a cabeça. Jorrou sangue. Não como o cachorro. Mas jorrou sangue muito por que a cabeça sumiu. Só ficou aquele corpo verde no chão da gaiola que acabou ficando vermelho escuro.
Não matei nada durante seis anos. Deixei o cano escondido lá em baixo do guarda-roupa. Eu tinha resolvido meus problemas. Eu nem pensava que ia surgir um grande problema. Mas eu já tinha 18 anos. Meu pai acumulava dez de pinga. Minha mãe era tão crente que, às vezes, parecia que baixava um espírito mau nela. Dizem que ela tava cheirando cocaína.
Um domingo, desses de pagode na laje, eu acordei com uma gritaria estranha. Não era samba enredo. Ouvi uns gritos da minha mãe. Meu pai tava de pé na sala e minha mãe no chão gritando coisas que eu não conseguia entender. Eles tinham feita dessas muitas vezes nos últimos dias. Quase sempre meu pai descontava em mim. Por que minha mãe tava louca. Não adiantava bater, esmurrar e chutar. Ela nunca parava de gritar.
Eu olhei da porta do meu quarto. Lembrei da arma.
As duas últimas pessoas que matei foram meu pai e minha mãe.

16.2.11

depois que leu o que tinha escrito...

depois bem depois que leu o que tinha escrito ele pensou que poderia ter sido uma pessoa melhor durante a vida toda e que quase quase quase era tudo errado e que de nada da vida tinha feito gozo pleno como uma ejaculação precoce ou o efeito do lança perfume que já nem era mais tão bom assim de uma época pra cá e de uma época pra lá que iam os anos e ficavam mais escuras as pretensões de felicidade ou de deixar de cuspir propostas irrecusáveis a pessoas nem muito como as propostas jogadas em sua própria mania de ser como são assim assim como ele mesmo pensava que era grande coisa e no fundo era só um sapo oportunista e sugador de energias de pilhas enferrujadas e gastas pelo uso descabido da nobreza de ser ou pensar ser útil para alguma coisa inútil e a pilha gasta e o corpo morre como morre o sapo depois de ser picado e esmagado pela cobra que vive circulando nos melhores bares da cidade como se tocasse uma canção de ninar para bebezinhos que correspondem ao sentimento recíproco de afetividade efêmera que é tão tão tão rápida que quando vê já não é mais e quando vê é uma história mal contada sem início nem meio nem fim satisfatórios e depois bem depois que leu o que tinha escrito pensou que deveria ter sido aquela pessoa que se considerava preciosa e não pensar que preciosos são os outros

15.2.11

eco eco eco

sempre era como sempre e sempre do jeito mais escroto e do jeito de ser de um mendigo fedorento de um passado que ele mesmo queria apagar e torcer até sumir como aquela vontade de apertar até gritar e suar e estremecer de raiva e socar a face do espelho naquele dia que acordou de ressaca de cinco litros de vinho bebido em copos de vidro quebrados que cortavam a boca a cada gole e faziam o vinho tinto ficar mais tinto com o sangue e vomitar todos os pensamentos torpes e insanos daqueles dias em que era tudo daquele jeito bonito e feio ao mesmo tempo e era tudo tão tão tão divertido e acabou não sendo mais tão tão tão divertido assim de repente e foi sumindo com se fosse uma poça d'água ao sol de fevereiro sem que nenhum bloco passasse por cima na avenida e nem no salão do clube e sempre foi um pedido de socorro que ninguém ouviu porque não tinha ninguém lá mesmo nem uma mosca verde nem uma lagartixa porque não fazia sentido ter lagartixa se não tinha mosca e nem mosquito e nem bloco e nem marcha e nem confete só o eco eco eco ecoando de lá pra cá e dali pra lá e voltando como tudo volta e como tudo vai assim bem fácil e pouco moderno porque nem é mais moderno ser assim nem assado ou assar ou esperar assar ou comer logo cru porque cru pode queimar ou não fazer bem como comer frutas verdes sempre causa um efeito diferente depende da fruta e da pessoa e de quem espera e de quem vem e do que acontece quando a gente toma vinho tinto em copos de vidro quebrados e acorda querendo socar o espelho ou apertar até sumir ou tem só um pouco de saudade de quando tudo era legal e foi sumindo sumindo sumindo como aquela poça d'água que ficou no sol e não passou nenhum bloco de carnaval por cima na avenida como ficar dentro de casa o dia inteiro e só ouvir ouvir ouvir ouvir ouvir ir ir ir i i i ...

10.2.11

desses olhos

acordo com a sutileza das noites de nuvens bailarinas
deixo de sacar - lento - a lâmina do meu peito a cada segundo
que de segundo já não é mais.. é primeiro
aquela parte em que mutilava meu corpo a cada instante
jaz sob os escombros de uma guerra atômica
acordo com a sutileza das noites de nuvens bailarinas
desses olhos
desses cabelos e desenhos

*para Sara Tibola

16.1.11

Ótima Ressaca

Acordei com dor de cabeça causada pela quantidade de cerveja verde, loura e gelada consumida na noite anterior. Apelidei ela de fada verde.
Resolvi levantar. Estiquei o braço fiz um carinho e dei um beijo na nuca desnuda que havia ao meu lado. Tomei um gole de água e sentei no computador para trabalhar. Não tenho direito a domingos.

Concentrei na tela iluminada e segui a rotina jornalística de todos os dias.
Ela levantou, não disse nada. Entrou no banheiro.
Pude ouvir o barulinho leve e sutil da escova de dentes massageando aquela boca criada com tamanha perfeição pela natureza.
Ouvi barulho de coisas na cozinha.
Segui com meus cliques e toques no teclado.

Percebi a aproximação dela. Ela colocou sobre a minha mesa um copo de chá gelado, meu cigarro e o cinzeiro. Eu sorri. Ela encostou os dois seios lindos nas minhas costas e retribuiu o beijo no pescoço. Eu segui com a mão direita no mouse. O outro braço enroscou no pescoço, virei a cabeça para o lado e dei um beijo calmo, sincero e demorado.