26.7.11

Sabrina (Capítulo 1)

Foi numa daquelas tardes quentes que a gente torcia a testa pra enxugar o mar de suor dentro daquela salinha sem janela. Ele saiu pra fumar um cigarro - na rua, uma nesga de sombra cobria parcialmente o corpo de um rato morto sobre a calçada - e esfriar a cabeça depois da discussão com a sogra.
Na manhã havia acordado com o barulho do metrô que colidira com um motociclista bêbado. Não há humor que resista. Ainda levantar e encontrar a sogra na cozinha de chambre roxo com flores amarelas comendo cuca de laranja com chimia de uva. Aquele olhar soberbo e um resmungo de bom dia "seu bosta". Ele não quis controlar a porra da boca. Enfiou logo o dedo na cara da velha e descarregou palavrões acumulados desde a última visita. Em seguida acendeu um cigarro que mal conseguiu fumar. A inquietude mental fazia com que seu corpo tremesse até o bigode. Jogou logo o cigarro que pipocou na parede e caiu no pé do sofá com forro puído pela bunda gorda da mulher que passa os dias fazendo crochê para os panos de prato que vende para as vizinhas linguareiras.
Os dias de trabalho no empacotamento do moinho de farinha eram molestos. A carga era parelha com a pressão do diretor que fiscalizava cada pacote antes de encaixotar. O salário motejava a desgraça ao fim do mês. Pensou várias vezes em sair de casa e começar a assaltar velhinhas na praça. Não era justo com a vida fazer isso. Tomar pau de brigadiano, virar mulher de negão aidético no xadrês. Tergiversando esses pensamentos seguia a rotina modorrenta no subsolo da "firma".
Quando tentou acertar a bituca no rato que jazia a sua frente sentiu a presença de alguém e segurou o ato. Era hora de saída do colégio próximo. Um grupo de alunos primários passava. Comentavam extasiados a briga da hora do recreio. As meninas arrodeavam o vencedor. Os puxa-sacos vangloriavam-se de sentarem próximos ao mais novo maiquetaisson do bando. Na roupa ele carregava a marca vermelha de sua vítima. Chutes na barriga, socos e mais socos na cara do infeliz que ousou cumprimentar a mina mais bonita da turminha do galo. Ela obviamente vinha na frente do bando. Imaculada e brilhante. Com o sorriso amarelo. Porém feliz em ser objeto de disputa e ter algum valor na vida. Nem era tudo isso. Menina de cabelos pretos, pele muito branca, olhos pretos, tatuagem desbotada no pescoço. Saviano brecou o braço de um moleque que representava o golpe de misericórdia de seu ídolo. Nesse momento seu olhar cruzou com o dela.

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