22.5.11

teatralizo

quando da boca do palco estende a mão e sorri
quando joga o cabelo molhado
do suor dos aplausos que te dedico
nos sonhos daquelas noites
em que és tão presente quanto teu cheiro
ao lado do travesseiro
quanto aquela mão apertada que sorri
dizendo calma
teatralizo quando te sigo até o profundo da noite
e te afago o dorso
quando o vapor de mate com mel aquecem tuas tensões
quando te afogam e quando te casas
quando te iluminam e quando te apagam
quando és mais que uma
ou quando és a luz e a estrela e o chão
quando tua feição me dá impulso
quando teu riso obriga o meu a nascer
quando o meu ranço vira piada e some
teatralizo ao dizer teu nome

20.5.11

both

quando era do âmago era simples e era vulgar tanto que nem tinha pulgas mas carrapatos não tinha nem aquelas rodas que giram a falsidade e formam um flash de coisas que passaram e acabaram por se esconder na encosta mais próxima ao coração da dubiedade do passo a dar pra frente da duplicidade traduzida em descontentamento que bate hora ali hora além que não goza da maior alegria sobre o leito pela incapacidade da alma ser dividida e partilhada com naturalidade fica sempre a questão óbvia ética poética eclética imagética frenética PATÉTICA

9.5.11

O Serial Killer que não desistiu a tempo

Após o penúltimo assassinato eu fiquei naquela zona de conforto pós-sangue. Ah! Como foi bom fazer aqueles cortezinhos cirúrgicos! Mas minha última vítima foi complicada.
Eu vinha observando ela por um bom tempo. Ia anotando seus passos e sua rotina.
Eu sempre alternava meu disfarce para não chamar a atenção da moça. Jamais conseguiria ser um assassino se fosse bonito. Mulheres morenas e altas – minhas preferidas – jamais olhariam para um cara barbudo e de óculos em um bar, por exemplo.
Eu sabia todos os lugares que frequentava, que horas acordava, que horas almoçava, que horas ia aos pés. Sabia bem os banheiros que ela preferia para fumar escondida nos restaurantes. Um dia acordei e pensei: chega não agüento mais de saudade daquele sanguinho quentinho saindo de uma bela morena. Dei aquela chicotadinha nas minhas costas e bolei o plano. Depois disso a minha vida começou a virar um inferno.

Na noite em que resolvi matar Lorena eu já saquei que algo estava estranho. Ela entrou no bar pra comprar cigarro, me olhou e sorriu. Ela NUNCA tinha feito isso. Pensei que meu disfarce estava funcionando. Mas tudo bem, fingi que não vi e não retribuí. A ideia era a seguinte: eu ia seguir ela até a rua XVII. Quando ela dobrasse a direita eu seguiria reto e pegaria a moto para fazer a volta na quadra mais rápido que ela. Na passagem do beco, eu ia ensacar a cabeça dela e jogar dentro da van.
Incrivelmente, ela saiu do bar e tinha muita gente na calçada. E percebi um homem do outro lado da rua – que depois fui apresentado como Bruno – falando num celular e olhando pra ela. Logo vi que ela atendeu e olhou pra ele. Cruzou a rua e os dois foram juntos até o teatro. (Sabia que deveria ter grampeado o telefone dela.. acho que ela está começando a namorar).

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã ou depois. Mas vou mudar a estratégia.

Quinta à noite ela sempre ia ao mercado. Mudei o disfarce. Coloquei um terno e a segui até a loja. Comprei um Ruffles e um capuccino e fiquei comendo no carro até ela chegar ao caixa. Ia oferecer ajuda para colocar a compras no porta-malas e tentar marcar um encontro. Eu tava muito bonito pra ela recusar um café. Me distraí e quando percebi, ela já estava chegando perto do carro. Levantei correndo e não me dei conta que tinha colocado o cinto de segurança. Resultado: mancha na camisa. Assim não dá! E ainda por cima vi que o namoradinho dela estava no carro. Ele me viu limpando a camisa com o lenço de papel. Eu batia a cabeça no volante de raiva e ainda por cima bati a cabeça na buzina quando o carro dela passava ao lado do meu! Ela também me viu. Menos um disfarce, mais um plano para elaborar.

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã ou depois. Mas como?

Na sexta ela sempre vai naquela boate chinfrim na rua 51. Boa noite Cinderela na moça!
Ela sempre toma aquele drink verde de menta, vodka e tônica. Barbada. Vou distrair ela e colocar o pó na taça. Perfeito. Depois eu sento com ela e a levo pro meu lugar preferido: o sótão da minha casa. Onde eu corto aquelas pernas e braços lindos e morenos e monto as perucas dos meus disfarces. Mas o universo realmente estava conspirando contra mim. Era muito azar.
Ela chegou, pediu o drink e assim que chegou eu sentei ao seu lado. Pedi o mesmo que ela e coloquei a droga. Puxei papo e troquei as taças sem ela perceber. Ela sorriu e conversou comigo um pouco. Quando ela estava levando a taça a boca um bêbado começou a bater com a cadeira no garçom que esbarrou nela e a bebida foi toda, todinha pro chão. E eu não tinha droga reserva. Imagina a minha raiva. Eu juro que chorei de raiva. Eu não agüentava mais. A minha crise de abstinência estava me matando. Eu sonhava com um mundo vermelho, com pernas e braços andando pelas ruas e gritando meu nome. Era pesadelo atrás de pesadelo.

Bom, tudo bem. Tentarei amanhã. Mas agora ela pode me reconhecer. O que fazer, por final?!

Já sei! Agora vai!

Restaurante e banheiro. Cigarro e morte. Eu sou um gênio! Como não pensei nosso antes!

Sábado é o dia que ela janta com as amigas. Sem falta. Vou pegar ela no banheiro e tirar pela janela dos fundos. É barbada e no sábado a noite não tem carga e descarga atrás do lugar. Não pode fumar e eu SEI que ela toma uns goles e fica a fim de fumar, vai ao banheiro e fuma. Eu sei. E já segui ela até a porta do banheiro.
Cheguei antes, pedi um yakisoba e uma jarra de vinho barato. Ela chegou junto com duas meninas loiras e sentaram na mesa de sempre. Cerveja vai, cerveja vem. Porções de camarão e batata frita. Aqueles gritos e risadas que só as meninas sabem fazer ecoar dentro de um lugar fechado. E nada de ela ir ao banheiro. Já estava ficando tonto com aquele vinho maldito. Minha impaciência já estava me esmurrando a cara.
Mas finalmente ele levantou e desfilou em direção a morte.

Contei até 10. Eu tremia de excitação e alegria. O choro que era de raiva quase saiu em forma de alegria. Era hoje o dia! Levantei e fui em direção a ela. Rolou aquele encontro no corredor de entrada dos banheiros em que os dois desviam pro mesmo lado, sabe?
Eu senti o perfume doce que vinha dos cabelos negros e longos.
Esperei ela entrar no banheiro. Contei um minuto e meio e entrei atrás dela. Não senti cheiro de cigarro. E ouvia só um barulho de água escorrendo. Começou o meu desespero e minha mão esquerda começou a tremer. Quando dobrei para a parte em que ficam as pias e vi aquela morena estirada no chão, segurando um cigarro, imóvel e com a cabeça toda ensangüentada. Ali eu ajoelhei, chorei e gritei de raiva até que uma garçonete entrou para ver a cena. Eu gritando desesperadamente e batendo com a cabeça na parede: a pia! Perdi para uma pia! Uma pia!

*dedicado a Carolina Carvalho que me indicou o seriado Dexter

3.5.11

Entrevista: Ignorância

Ela desfilou discreta pela praça Saldanha Marinho. A segui por alguns minutos circulando na Feira do Livro de Santa Maria. Ela comprou um crépe de coração com catupiri e uma Coca-Cola. Sentou em uma das cadeiras da praça de alimentação e postou seu notebook sobre a mesa. E ali sentada sorria e digitava algumas coisas rápidas e logo em seguida sorria novamente. Fiquei curioso. Discretamente fiz a volta e passei por trás dela e vi que ela estava acessando o Twitter. Podia, por que há rede wireless livre na área da Feira. Então pensei: "Acho que vou falar com ela. Queria saber o que ela pensa sobre as coisas que disseram sobre ela em cartazes espalhados pela cidade."
Comprei um Sprite - prefiro Sprite a Coca - e pedi licença para sentar. Me apresentei como Rodrigo e disse e perguntei se podia trocar umas palavrinhas - típica técnica de aproach de jornalistinhas como eu.

O que me surpreendeu de início foi que ela disse: "Senta aí, @karekaricordi. Já te conheço. Te sigo no Twitter. Bom te conhecer pessoalmente!" Que pessoa amável! Sabe aquelas criaturas queridas que dá vontade de apertar? Ela é assim. Inofensiva, quase não existe.

Então propus de escrevr o perfil e ela adorou. "Pode me chamar de Igui", disse gentilmente. E comecei as perguntas que transcrevo na íntegra aqui. Para que todos tenham bastante o que ler. Senão...

Eu - Ignorância, já ouvi falar de você incontáveis vezes. Como tu lida com essa fama e essas pessoas que te citam diariamente no mundo todo?
Igui - Olha, Kareka, meu bip toca muito durante o dia. Ele tem duas luzes. Uma verde e uma vermelha. Parece um semáforo. Não para de trocar. A luz vermelha significa que estão falando mal de mim ou estão me citando de maneira errada. Ou seja, se fosse uma sinaleira, os carros ficariam parados por muito tempo.

Eu - Por isso tu veio na Feira do Livro?
Igui - Não só por isso. Vim para tentar falar algumas coisas. Mas não me deixaram. Eu queria falar sobre a campanha de divulgação. As pessoas não quiseram abrir esse debate. Acho que ele é interessante. Tem um palco ali, cadeiras. As pessoas poderiam se interessar por conversar sobre mim e cultura. Sobre mim e preconceito, e sobre o que eu ralmente sou e no que interfiro no mundo.

Eu - Qual é teu contraponto em relação à campanha?
Igui - Eu achei que a intenção da campanha foi genial. Porém, ela passou quilômetros do ponto. Principalmente por me citar. Eu não fiz nada pra eles! Estava quieta na minha. Eles insinuaram que eu sigo e persigo pessoas que não lêem livros. Isso é mentira! Eu não sigo pessoas completamente. Sigo pessoas em partes. E mesmo as que lêem livros e as que dizem que pessoas que não lêem livros SÃO ignorantes. Esses, quando eles ignoram o real sentido do que eu significo. Mas só nessa parte né. Por que eles não são ignorantes na maior parte do tempo. E nem quando passam o dia no tuíter. Imagine só um colega teu que trabalha com atualização de mídias sociais. Ele passa o dia no FaceBook, no Twitter e no site em que trabalha. E o incrível é que ele sabe muita coisa. Pelo menos, como mexer nessa tralha toda, coisa que eu não sei nenhum pouco, sou ignorante. Só mexo no Twitter. Nisso, eu sou contra no teor da campanha.

Eu - Comprou algum livro?
Igui - Não! Não sei ler livros. E não quero aprender. Vai que eu mudo minha personalidade. Deuzulivre! Preciso manter a forma. To aqui comendo esse crépe com Coca e depois vou ali fora fumar um cigarro. Queria tomar uma cervejinha, na verdade. Mas não tem aqui pra vender e nem posso comprar ali no bar da esquina e trazer. Enfim, né. Coisas da vida que nos são impostas.

Depois desse papo, eu agradeci e fomos fumar um cigarro e tomar uma cerva do lado de fora do lonão, lá onde ficam os cachorros.