24.2.10

Travesseiro multifacetado

Ontem fui até a casa de um grande amigo para assistir à estreia do Inter na Libertadores 2010. Comprei algumas latas de Polar. Jantamos bife acebolado com arroz e alface. Uma beleza. Ele convidou a namorada - colorada, ele é gremista - e mais um amigo - também gremista - e assistimos ao jogo comentando os lances. Eu e Cynthia aflitos com o resultado adverso e os dois secadores tranquilos, achando o jogo o máximo. No fim das contas ficou tudo bem. O Inter venceu e assistimos um episódio de The Big Bang Theory e um de Friends. Ficamos ali olhando aqueles personagens engraçados e malucos e tentamos nos identificar neles. Ross e Sheldon foram os indicados para mim. Motivos óbvios.
Quando cheguei em casa - com algumas cervejas na cabeça - resolvi fazer duas torradas. E sempre que rolam conversas sobre mulheres e sentimentos eu lembro dela. E dessa vez, enquanto preparava as torradas, entre passar maionese e brigar para separar as fatias de queijo, fiquei culpando várias pessoas pela maior decepção e frustração amorosa da minha vida - eu já decretei que é a maior. Achei alguns. Quando as torradas ficaram prontas sentei os culpados em volta da mesa e - acho que estou ficando maluco - gritei com eles em voz alta e disse todos os motivos pelos quais estava os culpando. Devorei as duas torradas e liberei os réus. Fiquei mais tranquilo depois disso. Faria pessoalmente, com certeza.
Escovei os dentes, tirei a roupa e me joguei na cama. Abracei o travesseiro como se fosse ela. Acariciei o cabelo como fazia sempre, desci a mão - só com a ponta dos dedos - pelas costas e bati um papo legal. Falei dos filhos e de como fora meu dia de trabalho. Ela dormiu. Eu peguei no sono. Mas não dormi exatamente. Sabe aquele estágio que o cara viaja um pouco? É. E nesse estágio eu segui abraçado no travesseiro. Só que ele já era outra mulher. Outra mulher! E ela também já me abandonou nessa vida.
Olhei sério para o travesseiro, ele me encarou com naturalidade.
Eu sorri.
Lembrei do Ross e do Sheldon.
Abracei de novo e dormi.

22.2.10

A marca do paletó - Cap. 2

Sua expressão de raiva mudou completamente quando viu que tinha esbarrado em Marta. A sobrinha do senhor Lightman. A mulher mais bela da cidade.
- Mil perdões, senhor. Estava apressada para não perder a Carmella cantando. Manchou seu paletó.
- Não há o que se desculpar, madame. Eu estava distraído, olhando o bufê. Tenho outro paletó na cozinha.

Charles carregava um anel que ganhara de seu avô. Era o anel da sorte. Não fazia nada sem estar com o amuleto no bolso. Porém, nesse dia, tamanho era o nervosismo, trocou de paletó e esqueceu o anel no bolso.

- Clara! Clara! Sujou meu paletó. Passa um pano e tira a mancha! Obrigado.

Algum tempo depois, já com seu paletó reserva, Charles voltou ao salão e foi surpreendido por um convite inesperado.
Marta o chamou para ter uma conversa em particular no escritório do Sr. Lightman. Seguindo seus instintos e atração pela bela jovem, apenas a seguiu até a sala.

O escritório do Sr. Lightman parecia um pedaço da biblioteca de Alexandria, com livros raros e edições exclusivas. Cadeiras forradas com couro, almofadas com detalhes banhados a ouro, raríssimos pesos de papel e uma mesa gigantesca coberta de porta retratos com fotos dos momentos marcantes da vida política e familiar do ex-prefeito. Os tapetes persas e chineses são detalhes devidamente intrínsecos à decoração luxuosa.

- Em que posso ajudá-la madame?
- Por que viemos aqui?

To be Continued...

18.2.10

Eu ainda sou um lobisomem juvenil

Luz e sentido e palavra
Falta muito disso tudo para mim
O coração não pensa
Falta água e luz todos os dias
As torcidas já não gritam mais, apenas resmungam
Eu falo e vejo bem que você nem sabe o que me diz
O mundo é muito parecido com o que vejo
Eu sempre vou acreditar nesse mundo do meu jeito
Você voou e me deixou cair das núvens de cabeça (sem os pés no chão)

Mas, se você (ainda) quiser alguém pra ser só seu...
É só não se esquecer
Estarei aqui.

Fiz essa brincadeirinha com a música.
Mas aí vai a música inteira num baita show.. como só o Renato sabia fazer.

10.2.10

A marca do paletó - Cont. Cap. 1

Era a primeira noite da primavera do ano anterior. Arthur Lightman, dono da tabacaria e homem influente na cena política da cidade, era o anfitrião da festa. O antigo prefeito sempre organizava uma festa beneficente no primeiro dia da primavera. A renda excedente da festa era doada aos moradores da Villa. Lugar com pouca condição de sobrevivência. Tanto em termos de saúde, quanto em termos de segurança, já que era lá o covil dos traficantes. Sem esgoto, iluminação e na beira de um vazamento de lava e água contaminada. Enxofre era o maior problema dos infelizes moradores da região. Os traficantes de ópio e cocaína usavam a região para guardar suas mercadorias. A polícia não costuma andar por lá. Nem, ao menos, durante o dia.
Os convidados da Festa da Primavera eram os cidadãos ricos e importantes da cidade. Lightman sabia bem a quem convidar. Dois meses antes da festa enviava os convites. O prefeito Gross aguardava a data com ansiedade. Era um bom palanque de campanha. A Senhora Weiss, curadora do museu, leiloava alguns de seus quadros e doava a quantia para a festa. Muitos dizem que a senhora de 67 anos de idade guardava uma boa parte na carteira. O diretor da William Old School, Aston Vellasques, oferecia quatro bolsas de estudo por ano. Todo ano ele encomendava um smoking novo. Muitas das meninas da cidade lançavam suspiros intermináveis enquanto ele passava. Na festa, havia todo o tipo de personalidades importantes. Menos da polícia.
Charles, óbviamente, não era convidado, mas, sim, empregado. Trabalhava em uma empresa que servia bufês. Era o chefe dos garçons. O bom serviço aos convidados dependia de sua concentração, observação e agilidade. Circulava pelo salão, verificava a champagne e os salgados. Usava um paletó bege com riscas brancas. Os paletós dos garçons eram brancos com riscas beges. Era um tecido impermeável, mais fácil de limpar em caso de acidente.
Em uma das rondas pela sala onde as mulheres jogavam conversa fora enquanto os homens falavam sobre negócios ou esportes, Charles esbarrou com uma moça na saída da porta. Pensou que fosse uma garçonete. Mas ao levantar os olhos teve a grande surpresa.

To be continued...

9.2.10

A marca no paletó - Cap.1

Após terminar o plano e anotar cada passo na memória, Charles andou vagarosamente pela calçada. A chuva fina fazia com que o paletó refletisse as luzes das lanternas das charretes, que, naquela hora da tarde, davam um pouco de vida e movimento ao final de tarde de domingo cheio de nuvens, vento frio e chuva. Ao mesmo tempo em que ele descia a rua, Marta fechava o caixa da tabacaria de seu tio. Domingo é um dia frenético na tabacaria. O movimento cresce enquanto a luz vai baixando junto com o sol - que nesse dia não se apresentou. A cada dia aumentava seu repúdio aos velhos beberrões que iam fumegar seus cachimbos e charutos e, de lambuja, lançar as mais baixas cantadas sobre ela.
Charles vinha preparando o golpe há três meses. Foi logo após um encontro com Marta em frente ao cinema. Ele planejou tudo nos mínimos detalhes. Era a vez de Marta. Ela não escaparia. Quando se aproximava do local, o jovem rapaz lembrou de uma música. A música que tocou na primeira vez em que viu a mais bela garota do bairro. Do mundo ou do universo. Claro, não lembrava o nome da canção. Só assobiou o início. Enquanto a melodia saía de sua boca e navegava no ar úmido, lembrou daquela noite.

To be continued...

6.2.10

Texto roubado do Carpinejar

Eu juro que não gosto muito de roubar textos.
Mas o Fabrício Carpinejar consegue me divertir e fazer pensar com esse blog.
Roubei. Mas, com os devidos créditos.

Gostei desse texto porque pra mim ele tem um significado interessante. Na verdade, tem muitos significados.

Espero que gostem.
Leiam o Carpinejar. Comprem os livros.
Aí vai o link do blog: http://carpinejar.blogspot.com/


Beliches

As imobiliárias deveriam oferecer serviço de assistência psicológica. Há clientes que não resistem ao trauma de alugar um apartamento. Eu sou um deles.

Dependia de um fiador. Respondi para corretora que isso era barbada. Tenho dois irmãos com imóveis, ambos de carreira consolidada. Tive o impulso de discar na hora e resolver o pré-requisito na frente dela, mas me guardei, delirando que brigariam para ocupar o posto.Liguei primeiro para o mais velho, expliquei a urgência, sustentei que sempre paguei todas as minhas contas em dia, sofro pânico de atraso, ele sabe, mas foi enrolando e enrolando, avisando que não queria assumir nenhum risco. Risco? Que risco?

Ele prometeu retornar em seguida. Nunca mais me telefonou.

Não desanimei, acessei minha irmã. A prosa foi ainda mais árdua. Ela começou a me rebaixar para justificar que não desejava ser minha fiadora. É natural que o outro nos coloque em julgamento para se desculpar. Argumentei que não desfrutava de condições para empenhar o seguro-fiança, porque vivia os meses mais difíceis a um escritor, janeiro e fevereiro, sem palestras e movimentação literária. Ela não declinou, acentuou a violência do timbre.

- Precisa se virar sozinho.
- É a regra, não há como ser sozinho.

É terrível quando alguém se mostra vulnerável e o interlocutor aproveita para atacar. Poucos são os que sabem receber a fraqueza de um familiar. Ela passou a me agredir, falando que minha carreira é instável, que não podia apostar em mim. Retruquei que cuido de dois filhos, que assumo as responsabilidades, que gosto de ser adulto. Ela lamentou: mais um motivo.

Fui solicitar apoio e já mendigava.

Cansada da discussão, colocou a culpa no marido. "Meus bens são partilhados, ele não admitiria". Pedi para que trocasse ideia com ele. "Não vou estragar meu casamento por tua causa".

Eu me espantava com as nossas diferenças, adotei então uma posição nostálgica, quase masoquista:

- Lembra que você se chamava de Théo (irmão de Van Gogh) e que me ajudaria?

Ela foi cínica:

- Van Gogh era esquizofrênico, você não.

E desligou na minha cara.

O que aconteceu com a gente, manos? Na infância, vocês seriam capazes de deixar de comer para que comesse, vocês seriam capazes de guardar segredos para não me assustar, vocês seriam capazes de apanhar para não me denunciar aos pais.

Quando a mãe separou o beliche em dois quartos, dormimos juntos no chão. Para não perder as conversas no escuro.

A sensação é que largamos nossa origem após o casamento. Viramos um feudo. São somente os filhos, a esposa ou o marido, todos os demais são intrusos e incômodos. Não confiamos para gerar confiança, não tranquilizamos a esperança. É o boicote, o medo, a paranóia.

Ao procurar um calço entre meus irmãos, vejo que não tenho família. O dinheiro termina com qualquer laço. O amor não tem fiança.

3.2.10

As pernas da Ana Hickmann e os olhos verdes da Evangeline Lilly

Tu vê aquela guria linda. Olhos verdes. Não sabe nem de onde vem e nem de que se alimenta. Aí pensa: nossa, ela deve ser intocável. Depois tu vê aquela loira de pernas longas, delgadas e lindas demais (tipo a Ana Hickmann). Aí pensa: como que alguém consegue alguma coisa com uma deusa dessas?
Uma sempre mantém a pose. Boa pose. Gente boa. Outra reclama que só olham pra ela por causa das pernas e daquele rostinho de Barbie. Outras não estão nem aí pra caras normais. Outras cagam e andam pra gente normal. Colocam as pernas gigantes no meio do cérebro e pensam que são alguma coisa nesse mundo de meu deus. Outras pensam que seus olhos azuis são um oceano no qual ninguém consegue nadar sem se afogar em cinco minutos.
Mas isso é paranóia insegura de pessoas malucas (as quais me incluo). Tem tanta mulher bonita e gente boa por aí. Conheci algumas nesses últimos meses.
O problema da nossa época é que a gente leva tudo pelo exterior e, em último caso, pro interior das pessoas. Eu acho isso uma chatice. Provoco essa situação com minha barba. Hei de usar bigode ainda. Eu ando um pouco cansado de ouvir gente pagando de super-esperto-e-não-sei-o-que. Quem pode criticar a minha vida ou a de outro qualquer?
Nós somos criados em escolas diferentes. Nos apaixonamos e desapaixonamos a nosso bel prazer. Conquistamos e somos conquistados. Comemos e broxamos invariavelmente durante a vida.
Eu cansei. O Carpinejar que me desculpe por roubar a frase dele, mas eu acho de fundamento. Ela é simples e complexa. E diz assim: O apaixonado só não é cafona para ele mesmo. E eu acho isso. O som é meu e eu escuto da altura que eu quiser. Choro, grito e sofro o quanto eu quiser. E não falo só por mim. Todos nós somos assim. O problema é que tem gente que consegue disfarçar.