Eu tinha 12 anos quando matei a primeira pessoa.
Na época eu tinha medo das pessoas. Eu via sangue por todo lado.
No fundo, no fundo, quando eu deitava, ficava imaginando aquele sangue todo jorrando da cabeça do vizinho que ficava na espreita quando eu voltava da escola. Ele cuidava na janela e roubava todas as moedas que eu conseguia pedindo no caminho de casa.
Onde eu morava nunca teve lei. Aliás, teve. Tinha a lei do revólver.
Quem tinha, conseguia o que queria. Meu pai e minha mãe era da Igreja. Eu até ia. Mas sempre vi os sermões do padre como uma arma tão perigosa e poderosa quanto o trabucão do Zé (meu vizinho).
Um dia ele veio pegar minhas moedas. Eu nem tinha, na verdade. O que eu tinha na mochila era o cano do Adenor. Ele tava fugindo da polícia e cruzou por mim na entrada do beco. Disse: - baixinho, pega e esconde pra mim. Fiquei meio assim de pegar. Mas eu sabia que se não pegasse ele ia me bater depois, no mínimo. E foi muito bom ter pego. Quando o bundão do Zé não acreditou que eu não tinha moedas fez eu abrir a mochila. Passei a mão na benga, olhei pra ele e puxei o gatilho. O sangue jorrou da cabeça dele bem como eu tinha sonhado umas duzentas vezes.
Caiu um pouco de sangue na minha boca. Tava muito perto. Senti aquele gosto de caqui verde, ferrugem, seco. Lembrei dele por dias. Foi como se eu tivesse me afeiçoado pelo gosto e pela cor.
Meio que resolveu os meus problemas temporariamente.
Logo logo surgiram mais pessoas matáveis. O Adenor nunca mais procurou a arma (parece que mataram ele aquele dia) e ela ficou pra mim. Com aquelas quatro balas. Tinha só quatro furos pra fazer.
Num dia de inverno que fazia trinta e seis graus, eu matei um cachorro que parecia uma múmia. Todo escalavrado. Manco. Doente. Ele merecia morrer.
Depois eu matei o papagaio do vizinho. Ele era muito chato e não me deixava dormir no domingo de manhã. Fazia mais barulho que o pagode que começava às nove horas na laje em cima do meu quarto no barraco. Mirei da janela da sala. Acertei a cabeça. Jorrou sangue. Não como o cachorro. Mas jorrou sangue muito por que a cabeça sumiu. Só ficou aquele corpo verde no chão da gaiola que acabou ficando vermelho escuro.
Não matei nada durante seis anos. Deixei o cano escondido lá em baixo do guarda-roupa. Eu tinha resolvido meus problemas. Eu nem pensava que ia surgir um grande problema. Mas eu já tinha 18 anos. Meu pai acumulava dez de pinga. Minha mãe era tão crente que, às vezes, parecia que baixava um espírito mau nela. Dizem que ela tava cheirando cocaína.
Um domingo, desses de pagode na laje, eu acordei com uma gritaria estranha. Não era samba enredo. Ouvi uns gritos da minha mãe. Meu pai tava de pé na sala e minha mãe no chão gritando coisas que eu não conseguia entender. Eles tinham feita dessas muitas vezes nos últimos dias. Quase sempre meu pai descontava em mim. Por que minha mãe tava louca. Não adiantava bater, esmurrar e chutar. Ela nunca parava de gritar.
Eu olhei da porta do meu quarto. Lembrei da arma.
As duas últimas pessoas que matei foram meu pai e minha mãe.
Palavras sem muito significado pra quem tem uma rocha no peito
17.2.11
Sangue na boca
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Hum...relato de um delinquente. Desapego pela vida. Insensibilidade.Desumanidade.Apanhava do pai e por isso ficou violento? Fácil explicação.
ResponderExcluirMe lembrei do livro O Matador, da Patrícia Melo, que inspirou o filme Homem do ano. Recomendo mais o livro.
You need JESUS in your live....
ResponderExcluirPorque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo.1Tessalonicenses 5:9
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