6.2.10

Texto roubado do Carpinejar

Eu juro que não gosto muito de roubar textos.
Mas o Fabrício Carpinejar consegue me divertir e fazer pensar com esse blog.
Roubei. Mas, com os devidos créditos.

Gostei desse texto porque pra mim ele tem um significado interessante. Na verdade, tem muitos significados.

Espero que gostem.
Leiam o Carpinejar. Comprem os livros.
Aí vai o link do blog: http://carpinejar.blogspot.com/


Beliches

As imobiliárias deveriam oferecer serviço de assistência psicológica. Há clientes que não resistem ao trauma de alugar um apartamento. Eu sou um deles.

Dependia de um fiador. Respondi para corretora que isso era barbada. Tenho dois irmãos com imóveis, ambos de carreira consolidada. Tive o impulso de discar na hora e resolver o pré-requisito na frente dela, mas me guardei, delirando que brigariam para ocupar o posto.Liguei primeiro para o mais velho, expliquei a urgência, sustentei que sempre paguei todas as minhas contas em dia, sofro pânico de atraso, ele sabe, mas foi enrolando e enrolando, avisando que não queria assumir nenhum risco. Risco? Que risco?

Ele prometeu retornar em seguida. Nunca mais me telefonou.

Não desanimei, acessei minha irmã. A prosa foi ainda mais árdua. Ela começou a me rebaixar para justificar que não desejava ser minha fiadora. É natural que o outro nos coloque em julgamento para se desculpar. Argumentei que não desfrutava de condições para empenhar o seguro-fiança, porque vivia os meses mais difíceis a um escritor, janeiro e fevereiro, sem palestras e movimentação literária. Ela não declinou, acentuou a violência do timbre.

- Precisa se virar sozinho.
- É a regra, não há como ser sozinho.

É terrível quando alguém se mostra vulnerável e o interlocutor aproveita para atacar. Poucos são os que sabem receber a fraqueza de um familiar. Ela passou a me agredir, falando que minha carreira é instável, que não podia apostar em mim. Retruquei que cuido de dois filhos, que assumo as responsabilidades, que gosto de ser adulto. Ela lamentou: mais um motivo.

Fui solicitar apoio e já mendigava.

Cansada da discussão, colocou a culpa no marido. "Meus bens são partilhados, ele não admitiria". Pedi para que trocasse ideia com ele. "Não vou estragar meu casamento por tua causa".

Eu me espantava com as nossas diferenças, adotei então uma posição nostálgica, quase masoquista:

- Lembra que você se chamava de Théo (irmão de Van Gogh) e que me ajudaria?

Ela foi cínica:

- Van Gogh era esquizofrênico, você não.

E desligou na minha cara.

O que aconteceu com a gente, manos? Na infância, vocês seriam capazes de deixar de comer para que comesse, vocês seriam capazes de guardar segredos para não me assustar, vocês seriam capazes de apanhar para não me denunciar aos pais.

Quando a mãe separou o beliche em dois quartos, dormimos juntos no chão. Para não perder as conversas no escuro.

A sensação é que largamos nossa origem após o casamento. Viramos um feudo. São somente os filhos, a esposa ou o marido, todos os demais são intrusos e incômodos. Não confiamos para gerar confiança, não tranquilizamos a esperança. É o boicote, o medo, a paranóia.

Ao procurar um calço entre meus irmãos, vejo que não tenho família. O dinheiro termina com qualquer laço. O amor não tem fiança.

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