27.4.09

Sobre a indústria cultural da música - Reflexão de Marcos Rolim

Encontrei nesse blog, o melhor texto, entre tantos outros, sobre o "caso" Susan Boyle. Me dei o direito de reproduzir aqui no meu.

O som nosso de cada dia, por Marcos Rolim

Em meados do século passado, Adorno sustentou que o predomínio da indústria cultural na música – aquela orientada para a venda e não para a qualidade – produzia o que ele chamou de “regressão da audição”. A ideia básica é que a relação com a música oferecida pela indústria impelia o público a um “estado infantil”, criando ouvintes dóceis e incapazes de apreciar música, porque só reagiam ao que já lhes apresentara anteriormente o mercado. Este ouvido deformado não poderia se concentrar em nada complexo; aspectos banais e truncados – o ritmo, por exemplo – seriam mais do que suficientes. As posições de Adorno são polêmicas e, por certo, incapazes de dar conta dos problemas que percebeu. Sua predileção por Schoenberg e pela música dodecafônica (que talvez só seja “apreciável” como uma dedução filosófica), ou mesmo sua incompreensão do jazz, parecem evidenciá-lo. Tenho, entretanto, que isto não invalida sua tese da regressão da audição. Observe-se que na música popular que se ouve hoje, independentemente do gênero, sequer a letra parece ter alguma importância. Noves fora, falamos do reino do mesmo, da degeneração e da miséria estética. Ao que tudo indica, foi-se o tempo em que os compositores tinham algo a dizer; agora, ainda que o tivessem, os interessados em ouvi-los não constituiriam um mercado.

Bem, até aí, morreu Neves. O problema é que o mau gosto vem sempre em alto volume, vocês já notaram? Mudo de opinião no dia em que um carro desses transformados em amplificador parar no sinal, ao meu lado, tocando a Nona Sinfonia; ou – para citar uma alternativa popular – reproduzindo o espetáculo que a desconhecida e surpreendente Susan Boyle ofereceu ao mundo cantando I Dreamed a Dream em programa de calouros na TV inglesa (confira em: www.youtube.com/watch?v=j15caPf1FRk).

Bem, a maioria pode discordar e afirmar que “gosto”, afinal, é aquele de cada um e que a simples ideia de “mau gosto” é arbitrária, elitista etc. Posições relativistas como estas, aliás, costumam fazer sucesso entre pessoas de mau gosto, mas tudo bem. Independentemente disto, a questão é: por que razões devemos ser obrigados a ouvir a música que nossos vizinhos apreciam se ela nos irrita? Por que devo ter minha atenção desviada no trânsito por um sujeito que ouve pagode em um volume capaz de mobilizar dois quarteirões se entre o pagode e a sirene dos bombeiros fico com a sirene? Por que é preciso tolerar que o espaço público seja colonizado pelo “gosto” de um ou outro indivíduo que, em total desprezo pelas pessoas que por ali transitam, empurra sobre todos aquilo que ele chama de “música”; quase sempre um amontoado de grunhidos ou versos “antalógicos” (relativo às “antas”)?

Para Nietzsche, a vida seria um erro sem a música. Se vivesse hoje, teria se transformado em um serial killer. Que cada um ouça o que bem entender, claro. Mas por que punir os demais com o seu gosto? Não há algo de sádico nisto? E ainda tem o “lacre azul do cachorrinho” do caminhão de gás que invade meu bairro duas vezes por dia. Dai-me paciência, Senhor!

Texto original em Zero Hora

Li no texto do Marcos o que sempre senti em relação aos meus "amigos" que passam em frente ao meu prédio com suas músicas explodindo meus tímpanos. Imagino que esse não seja só um problema meu.

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