9.6.10

O frio de São João

Um amigo meu, o Petralha, é saudosista. Bastante saudosista, eu diria.
Estávamos conversando, ontem, antes do futebol, e tal.
Entre um gole e outro de quentão, falávamos sobre aqueles velhos tempos de churros no Calçadão, carrapinha na Floriano, Cine Independência, Cine Glória, bomba de chocolate no Copacabana.
Todos esses lugares e coisas remetiam aos invernos da nossa infância.
Hoje, a gente bebe vinho quente com cachaça, açúcar e canela.
Junho chega trincando dentes e bolsos com o frio e o dia dos namorados.
E mais as festas juninas, é claro.
Sempre ouvi falar em barracas do beijo em festas juninas.
Nunca teve nas que eu fui.
Junho é beijável.
O Petralha, saudosista que é, fica nessa lenga-lenga de ficar lembrando das marias-chiquinhas que beijou na bochecha nas festas de São João.
E das namoradas no inverno. Hoje ele é solteiro, coitado.
Gastava uma nota por mês pagando churros.
"Ah, como era bom andar de mãos dadas no calçadão. Numa mão o churros, na outra aquela mãozinha geladinha e lisa, aquele beijo com um pouco de açúcar no canto da boca", suspirava Pepê.
Conforme o quentão ia fervendo em nossas cabeças, a melancolia tomava conta.
Partimos da infância quentinha para nossas atuais frias vidas solitárias.
Hoje quando cheguei no trabalho - após passar na frente da Copacabana pelo Calçadão, ver um casal de namorados comendo churros e sorrindo e sentir o cheiro da carrapinha - senti muito frio. Lembrei do último outono.
Nada era mais quente e aconchegante que aquela cama em Camobi. Nada.

"Era noite de São João
E eu saia com meu irmão
De bigode de rolha
E chapéu novo em folha
Brim Coringa e alpargata

Toda noite de São João
Eu sonhava em pegar da mão
De uma prenda bonita
De vestido de chita
E Maria Chiquinha"

Noite de São João (Kledir Ramil e Pery Souza)


3 comentários:

  1. É amigo...

    As vezes se faz necessário mudanças, inclusive nas lembranças.
    Ficar lembrando o quanto ERA quente e aconchegante aquela cama em Camobi, não vai te levar a lugar nenhum. Hoje, talvez, aquela cama ainda seja quente e aconchegante, para outra pessoa.
    Segue adiante. Procure outra cama. Vai, sem olhar para o que passou. Só vai te fazer bem. Acredite.

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  2. Alô, camarada !!!

    Vim ao teu blog pela curiosidade movida por uma ostagem no blog da Amiga comum, Aninha, do "Cem Palavras".
    Bom texto, belo blog ! Parabéns.

    Abraço fraterno

    James Pizarro

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  3. carrapinha da floriano, churros do calçadão, cine independência.. é, as lembranças de muitas pessoas são as mesmas na cidade. lembro, quando criança, minha avó me levava para o centro e me dava sorvete em pleno inverno. dizia para eu não contar nada quando chegasse em casa, mas nem precisava dizer muito, dois dias depois minha garganta sempre estourava.

    esse teu texto me fez lembrar da minha adolescência, que se resume em uma sensação quando a recordo: descendo a venâncio aires, com uma leve brisa da primavera no rosto, e o cheirinho do fóton vestibulares. bons tempos aqueles...
    num tempo em que minhas bochechas eram rosadas pela paixão, de mãos quentinhas enroladas na manga do casaco e a inocência tão leve quanto o vento norte.

    muito bom teu texto, com cor, cheiro e gosto.

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