15.6.10

Zezinho e Golias

Na minha serelépica idade de dez anos, tinha um amigo, o Jorjão. Se comparar com o meu tamanho de hoje, ele mediria dois metros de altura por um e meio de largura. Ele morava no mesmo prédio que eu. Jogávamos fliperama, Super Trunfo, futebol de botão. As férias da escola eram só diversão. O futebol no terreno baldio durava a tarde toda.

O Jorjão era três anos mais velho que eu. Mas, naquela época, isso fazia pouca diferença. Eu era colega de aula do irmão dele, o Zezinho, que batia na cintura do Jorge.
Viviam em pé de guerra aqueles dois. Zezinho insistia em participar das brincadeiras. O irmão não gostava muito. Acho que ele tentava proteger de alguma coisa ou sentia medo que o irmãozinho acabasse por ser superior a ele em alguma brincadeira. Os jovens têm muito medo de serem superados por alguém mais jovem ainda. Mas isso nunca acontecia entre eles, por mais que o Jorjão não fosse muito dotado de habilidades fenomenais. O cara era bom mesmo no botão. Sempre campeão dos nossos torneios.

Nesse ano, dos meus dez anos, combinamos um torneio no primeiro dia das férias de inverno. Não poderíamos fazer aventuras na construção. Era muito frio e chovia. Fizemos o sorteio dos confrontos na semana anterior. No dia, tinha pipoca, bolo e carrapinha. Era junho.
A gente tinha o costume de gravar músicas do rádio em fitas. Cada um levaria uma e escutaríamos todas enquanto rolava a disputa na mesa de botão. Jorjão já comemorava mais um título. Zezinho conseguiu permissão de participar na última hora. O pai dos dois teve que interferir em nosso grupo para que isso acontecesse.

Fiquei feliz quando soube que meu primeiro adversário seria o Zé Pequeno (eu sempre mudo os apelidos das pessoas). Eu tinha um time melhor e um pouco mais de prática. Surpreendentemente, perdi a partida com um golaço no último lance.
O Zezinho foi avançando e chegou na final contra seu irmão. Era Davi contra Golias. Jorjão começou arrasador e abriu dois gols de diferença logo de cara (três de diferença acabava o jogo). Zezinho estava calmo. Jorjão arrogante. Então a lenda começou a valer. Zé fez o primeiro gol e Jorge se irritou. O empate foi o estopim de uma discussão ferrenha entre os dois. A raiva de Jorjão fez com que ele ficasse cego, no mínimo vesgo. Não acertava mais nada. O caçula da família Weber acabou vencendo a partida. Carregamos Zezinho nos ombros. Foi uma festa digna de um vencedor. Até o derrotado sorriu timidamente enquanto observava.

Uma semana depois o Jorjão foi viajar para o Rio de Janeiro. Na ida até Porto Alegre para pegar o avião, um caminhão se chocou com o ônibus e o Jorjão morreu. Acho que foi a maior tristeza da minha vida. Foi a única reunião triste de nossa turma, o velório. Zezinho parecia não acreditar. Nem chorava. Só o vi chorando de canto alguns anos depois em um churrasco.
Até hoje eu falo com o Zé. Fomos colegas até a faculdade. Ele se formou e foi morar no Rio. Mora na Barra da Tijuca. Conversamos todos os dias pelo MSN.

Até hoje nunca tive coragem de perguntar porque ele chorou quando venceu o irmão no jogo de botão.

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