11.10.06

Entrevista: Marcos Rolim

A partir dessa semana as entrevistas do Blog serão com cidadãos santamarienses que fazem algo relacionado com a idéia do blog. Vamos começar com as perguntas, elaboradas pela equipe, feitas a Marcos Rolim.

Gostaria de agradecer mais uma vez ao Marcos pela atenção e o tempo gasto para responder às perguntas e questões.

A entrevista:

Gostaria que o senhor fizesse um resumo de seu trabalho na política desde o início.

- Iniciei minha militância muito cedo, com 15 anos, em plena ditadura militar, tentando organizar algum tipo de luta estudantil no Maria Rocha. Eu havia descoberto o marxismo, lia muito e havia tomado a decisão de me dedicar à “luta revolucionária”. Aos 16 anos, estava militando em uma organização clandestina e, quando entrei na UFSM, já me dedicava integralmente à militância. Por conta deste envolvimento, terminei desempenhando um papel no Movimento Estudantil em Santa Maria e no RS, assumindo posições de direção no DCE e na UEE. Vieram as eleições de 1982 e o grupo político ao qual eu me vinculava – que se integraria ao PRC em 1984 – entendeu que eu deveria ser candidato a vereador. O PT na época estava recém se formando na cidade e a maior parte da oposição ainda estava no PMDB. Fui, então, candidato e alcancei a maior votação da cidade. Foi tudo muito rápido e estranho, porque nunca havia me imaginado no parlamento. Na Câmara Municipal, um dos meus primeiros projetos de lei foi o que criava a Comissão de Direitos Humanos. Aprovado o projeto, fui o primeiro presidente da Comissão, por dois anos. Data desta época minha vinculação com alguns temas polêmicos como, por exemplo, a reforma prisional. Em 1984, com a derrota da campanha pelas eleições diretas, nosso grupo político fez a opção de entrar no PT. Por este partido, concorri à prefeitura em 1988, fazendo uma campanha diferente e alcançando uma votação que surpreendeu muita gente. A eleição para Deputado Estadual dois anos depois foi quase uma decorrência natural. Já nesta época, eu havia rompido com o marxismo e já tratava o tema dos direitos humanos como uma plataforma ética capaz de modular as opções políticas. Na Assembléia Legislativa, presidi a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos por 6 anos consecutivos, pautando muitos temas inovadores na política brasileira como a reforma psiquiátrica, a luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes, a promoção dos direitos civis de homossexuais, prostitutas e travestis e retomando temas clássicos como a luta contra a tortura e a violência policial, o racismo e a intolerância. Naquele período, por conta do trabalho que já desenvolvia nos presídios, terminei me interessando pelos desafios da segurança pública, tema no qual terminaria me especializando. Concebi e editei nesta época as primeiras 4 edições do “Relatório Azul”, um projeto que permanece até hoje e que, anualmente, lança o mais amplo relatório em direitos humanos publicado no Brasil. Em 1998, depois de cumprir dois mandatos como Deputado Estadual, fui eleito Deputado Federal. Na Câmara dos Deputados, presidi a Comissão de Direitos Humanos e organizei as Caravanas Nacionais de Direitos Humanos, outro projeto que terminou sendo institucionalizado e que permanece.

Quais foram os motivos que o levaram a deixar a política?

- O que deixei foi a pretensão de ter novos mandatos. Sigo fazendo política, mas apenas na condição de cidadão. Dois motivos definiram esta escolha: primeiro: não tenho mais disposição pessoal de conviver com determinadas pessoas – algumas inclusive do PT – que se corromperam e que são uma caricatura das lutas e dos sonhos de minha geração. Voltar ao parlamento e à disputa política seria o mesmo que me obrigar a agüentar uma turma de oportunistas que segue empoleirada em seus cargos e de quem eu só quero distância. Em segundo lugar: minha experiência de estudos na Inglaterra me mostrou que eu ainda tinha a chance de construir um caminho no mundo acadêmico que me permitisse produzir mais teoricamente e que esta opção poderia me assegurar uma vida mais feliz. Passados 4 anos, desde então, já posso dizer que esta intuição estava completamente correta.

Quais seus projetos, tanto como deputado estadual como federal que foram mais difíceis de serem aprovados?

- Na Assembléia, a Lei da Reforma Psiquiátrica foi a mais difícil. Primeiro, porque, na época, o conceito mesmo desta reforma era muito desconhecido no Brasil. Lembro que, uma vez, um deputado chegou a me dizer que eu só podia estar apresentando o projeto em causa própria, pois só um louco proporia proibir a construção de novos Hospitais Psiquiátricos – uma das determinações da lei. Bem, o projeto foi aprovado por unanimidade em 1992 e, desde então, nenhum novo manicômio foi construído no RS. Em contrapartida, seguindo as diretrizes da Lei, o RS possui hoje quase uma centena de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e as pessoas que padecem de sofrimento psíquico passaram a ser tratadas como cidadãs e não abandonadas nos labirintos manicomiais. Na Câmara dos Deputados, meus projetos nunca foram votados. No Congresso Nacional, quem define o que é votado é o governo, através de sua base de apoio. Quando fui deputado federal, o presidente se chamava Fernando Henrique e nenhum projeto de lei que contrariasse a opinião do governo era votado. Mesmo assim, influí bastante na aprovação de leis negociadas com o governo como a que criou o Programa Nacional de Proteção às Testemunhas, por exemplo.

O senhor é um dos maiores lutadores pelos Direitos Humanos no Brasil. Qual sua maior motivação para isso? Existe alguma identificação pessoal com a causa?

Minha formação moral, até os 12 anos pelo menos, foi profundamente cristã. Fui criando dentro da Igreja Metodista. Meu encontro com a militância apenas solidificou um compromisso com os excluídos, com os desgraçados. Com a idéia dos Direitos Humanos, entretanto, descobri que tudo aquilo pelo que eu lutava, que todos os meus sonhos de um mundo decente e justo, estavam ali. Bem, depois disso, a luta pelos Direitos Humanos me ofereceu aquilo que poucas pessoas possuem na vida: um sentido pleno.

O senhor participou de muitas discussões sobre Direitos Humanos pelo mundo, como Brasil é visto em relação a este assunto?

- Todos os que acompanham a situação brasileira nos fóruns internacionais sabem da gravidade das violações aqui cometidas. O Brasil tem recebido muitas pressões internacionais por conta disto, desde a época da ditadura militar. Este é o lado bom da globalização, a possibilidade de universalizar valores de liberdade e vida digna, de travar lutas e de desenvolver campanhas internacionais. A vitória de Lula em 2002 trouxe muita esperança em todo o mundo. Particularmente, acompanhei uma parte destas expectativas na imprensa européia ao longo de 2003 e pude senti-la de perto quando Lula esteve em Londres, pela primeira vez após sua eleição. Hoje, há um reconhecimento de que tivemos alguns avanços, mas há também uma sensação disseminada de que as autoridades brasileira e o próprio governo federal seguem devendo uma política coerente e sistemática capaz de fazer diminuir sensivelmente a dinâmica das violações aos direitos humanos no Brasil.

O seu livro “A Síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI”, (2006, Zahar) é o resultado de uma pesquisa sobre segurança pública, realizada no Reino Unido. Quais medidas utilizadas no Reino Unido poderiam ser aplicadas efetivamente no Brasil?

- Não se trata de transpor medidas, mas de aprender com as experiências que asseguraram patamares de maior segurança em todo o mundo. Assim, por exemplo, o Brasil faria muito se nossos gestores em segurança pública firmassem uma forte colaboração com os centros de pesquisa sobre violência e segurança pública que já existem em algumas universidades brasileiras, rompendo com a improvisação, a demagogia e a reatividade de suas iniciativas. Poderíamos, também, começar a produzir, como em toda as nações mais desenvolvidas, diagnósticos em segurança pública com base em pesquisas de vitimização – algo em torno do que tenho insistido há pelo menos 12 anos, sem qualquer audiência no RS. Um estudo a respeito da experiência das políticas de segurança exitosas no mundo demonstrará, também, o erro de firmar uma concepção na área centrada na repressão e no agravamento das penas, como ocorre no Brasil há décadas. Uma política de segurança pública que se preze é aquela que submete inclusive suas iniciativas repressivas (de “law enforcemet”) à uma estratégia minuciosa de prevenção à violência e ao crime. Para saber como fazer isto, entretanto, você precisará ler meu livro (risos...)

O senhor, que já exerceu um cargo político como Deputado, como avalia a situação do Brasil diante dos escândalos políticos atuais?

- A política brasileira é um mercado persa. Os escândalos atuais apenas demonstram que a instituição política brasileira (seus partidos, seu modelo eleitoral, sua cultura, etc.) é mais forte que as intenções reformadoras. Assim, o PT, que se colocou o objetivo de reformar a política brasileira, terminou sendo reformado por ela, no pior sentido comportado pela expressão. Nosso modelo eleitoral é uma piada de mau gosto onde o eleitor é chamado a escolher pessoas e não programas. Por isso, encontra-se de tudo em campanhas: promessas, agressões, mentiras, compra de votos, uso da máquina pública, abuso do poder econômicos, caixa 2, demagogia, etc. só o que não se encontra são idéias sérias. Os poucos candidatos que se arriscam a fazer campanhas eleitorais a partir de uma plataforma responsável e sendo coerentes com seus princípios, terminam enfrentando enormes dificuldades. A maioria deles vai sendo progressivamente descartada. Na outra ponta, quanto mais ordinária e criminosa for a conduta do político tradicional, mais chances ele terá de produzir as condições ideais para a sua eleição. O modelo, então, seleciona cada vez mais os piores, com as respeitáveis exceções conhecidas. Quanto à disputa que caracteriza o atual momento político, parece óbvio que o PT está pagando o preço por ter permitido ser dirigido por um grupo de mafiosos e, mais, por não ter se livrado deles quando podia. Agora, ver o PFL e o PSDB acusando o PT por “falta de ética” me faz lembrar um comentário da Bruna Surfistinha. Parece que ao ser perguntada sobre o recente vídeo com Daniela Cicarelli e seu namorado na praia, a ex-garota de programa teria dito que Cicarelli “passou dos limites”. É mais ou menos isso, compreende? O PSDB e o PFL tem a “moral” da Bruna Surfistinha e só vê limites na atividade dos outros. Aliás, essa história de agir sem limites é própria das psicopatias e é incrível como a política brasileira atrai pscicopatas.

Na era Lula, depois dos sucessivos escândalos que pouco afetaram a popularidade presidencial, o tema da reforma política nunca esteve tão em alta. E com este termo surgiram entre diversas propostas entre elas duas bastante relevantes, e gostaríamos de saber de sua opinião sobre a 'cláusula de barreira' e o voto distrital.

- A “cláusula de barreira” é, na verdade, uma cláusula de desempenho. Trata-se de um instituto profundamente democrático que delega aos eleitores a responsabilidade de definir quais os partidos que terão o registro definitivo, acesso ao fundo partidário e espaços de propaganda gratuita e de liderança no parlamento. Graças a ela, poderemos acabar com as siglas fantasmas que nada representam e que são, via de regra, manipuladas por interesses inconfessáveis. É claro que ela prejudica alguns partidos menores que possuem uma proposta respeitável, mas tais agremiações podem seguir lutando para crescer e se, de fato, são diferenciadas das já existentes devem prosseguir. Já o voto distrital é uma proposta totalmente anti-democrática destinada a configurar o bi-partidarismo já que, por este idéia, os parlamentares eleitos passam a ser o resultado de votações majoritárias nos distritos. Ou seja, com o voto distrital as minorias são alijadas do parlamento. As principais reformas eleitorais a serem alcançadas são, pelo contrário, a introdução das listas fechadas para as eleições proporcionais (o eleitor vota no partido de sua preferência e não em candidatos) e a proibição do financiamento privado das campanhas. Se tivermos, em uma eleição, apenas meia dúzia de campanhas nacionais – aquelas feitas pelos partidos em favor de suas listas – as campanhas serão muito baratas e poderão ser financiadas pelo orçamento da União. Se seguirmos com o voto individual, manteremos todas as distorções do sistema atual que em São Paulo, por exemplo, elege Maluf e Clodovil e que no RS faz do “homem do tempo” da TV o deputado estadual mais votado.
Para saber mais sobre Marcos Rolim e Direitos Humanos:
*Agradecimento especial para a Amanda e o Cássio que ajudaram nas perguntas e para a Luiza pela divulgação do blog na Radio Atlântida.

8 comentários:

  1. Os textos de Marcos Rolim,são todos muito bons,que serve de aprofundamento na visão dos Direitos Humanos.
    Parabéns!!!!!!!!!!!

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  2. Os textos de Marcos Rolim,são todos muito bons,que serve de aprofundamento na visão dos Direitos Humanos.
    Parabéns!!!!!!!!!!!

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    Parabéns!!!!!!!!!!!

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  5. Os textos de Marcos Rolim,são todos muito bons,que serve de aprofundamento na visão dos Direitos Humanos.
    Parabéns!!!!!!!!!!!

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  6. O mundo precisa de mais pessoas como Marcos Rolim.
    Altruíta, justo. Um homem fiel a seus ideais.

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