27.1.13

O dia que não pedi para ter vivido


Eu tenho 29 anos de idade. E levei esse tempo todo para conhecer o que é a sensação de impotência. Já tive lá minhas aventuras pessoais trágicas (e eu pensei que esse termo tinha magnitude finita), mas o que eu vivi e vi nessas últimas 20 horas me deu a dimensão do infinito. Da tragédia infinita. Aprendi, hoje, de verdade, o que são o medo, a tensão e a agonia.
Me tornei jornalista há pouco tempo e, por um impulso (que deveria ter velado), embarquei num pesadelo que eu jamais vou esquecer. Ao presenciar o incêndio que vitimou 233 pessoas, eu estive numa dimensão que não recomendo ao meu mais vultuoso inimigo. Eram centenas de pessoas desesperadas, sujas, feridas. Homens sem camisa abanando outros que não conseguiam respirar. Mães e pais desesperados procurando os filhos em meio a sapatos quebrados, cacos de vidro, madeiras queimadas e uma fumaça traiçoeira que avisava lentamente sobre o horror coberto pelas paredes que voluntários e bombeiros tentavam derrubar para salvar os demais espremidos entre outros espremidos.
Amigos banhados de suor e lágrimas abraçados. Choravam a perda dos queridos companheiros que deixaram a vida dentro de um salão enfumaçado. Tão negras eram as manchas em seus corpos quanto a aura que envolvia aquele sexto de quadra.
A quantidade de corpos jogados no chão me chamou a atenção. Inocente, pensei ser aquele o lugar em que os feridos estavam aguardando atendimento enquanto litros e litros de água jorravam dos caminhões do Corpo de Bombeiros. Mal sabia eu que as pessoas deitadas na rampa de um estacionamento recebiam o choro dos amigos, que imploravam para que daqueles corpos, manchados de vermelho e preto, um sopro de ar saísse. Me deparei com a linha de frente da guerra em que caí de paraquedas. A expressão de perplexidade ainda não abandonou meu rosto.
Depois veio o dever às devas. Recrutado para a redação do jornal Diário de Santa Maria, o qual sou freelancer,corri, às 5h da manhã, para ajudar na cobertura, estruturada às pressas, da maior catástrofe que a minha cidade querida já comportou. A tristeza, o choro contido, o olhar marejado, a dificuldade de olhar no olho do colega. Uma mistura de pavor e tristeza tomou conta daquele lugar que num domingo teria uma equipe costumeiramente muito bem humorada. Esse plantão vai ser eterno. Aos poucos a rotina da cobertura foi escondendo mais a tristeza. Ela se manifestava aos poucos em lágrimas que corriam vez em quando pelos olhos dos repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, editores e motoristas.
Era uma tristeza desumana. Vi minha chefe e amiga chorar, vi minha irmã de coração aflita por notícias do irmão. Por incontáveis vezes estufei o peito e suspirei para me manter forte. Desci, fumei, bebi litros de água e café. Me entreguei ao falar com minha mãe pelo telefone (mãe tem o direito e o poder de fazer o machões chorarem). Contando pra ela isso que escrevi acima em versão reduzida, minhas lágrimas se soltaram em litros. Solucei com o abraço silencioso que dei na minha chefe e quase irmã Carolina. Ali, a gente se deu um tempo para ganhar um pouco de fôlego e coragem para voltar lá para cima e encarar os telefonemas, as fotos, as buscas por informação, os textos e o clima de união de uma redação de jornal que jamais deveria estar tão cheia num domingo de verão com um céu azul escancarado. Porém, sem o brilho que a dor da perda de tantas vidas nos roubou.

11 comentários:

  1. Bravo Rodrigo! Meus parabéns pela sensibilidade, que discorreste sobre esse assunto tão trágico. Abordaste tudo de uma forma extremamente equilibrada, num momento de tanta dor.. Beijão meu neto...

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  2. Parabéns Rodrigo!Lindo seu texto;realmente estamos todos chocados com essa grande barbaridade que aconteceu em nossa cidade.Forte abraço

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  3. Sem palavras...força

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  4. Cara, me pego chorando diversas vezes e estou em SP e o único que se pode fazer daqui é ficar perplexo, apavorado e chorar ...Pedir a Deus o conforto para as familias, já que o pior já aconteceu... Essa catástrofe e a gente fica pensando que uma casa grande como essa não deveria ter um alarme de incêndio ? Não teria que ter a presença de um bombeiro em um evento tão grande desses ? Acho que temos que repensar os grandes eventos que acontecem no mundo todo, e o quanto estamos despreparados para o pior e que num domingo como esse de verão a gente não seje mais pego de surpresa...
    Seu relato, como alguém que estava tão proximo ali nos choca e acho que vai ser difícil pra voce esquecer essas cenas e este dia.

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  5. Belas palavras e sentimentos tão tristes... Bonito ver gente sincera e sensível de verdade. Parabéns pelo texto Rodrigo.

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  6. Li seu texto e mais uma vez me emocionei. É muito triste tudo isto que está acontecendo. Suas palavras tocaram lá no fundo de meu coração e tive tbm que respirar fundo... Sou santamariense e hoje meu coração está triste, muito triste. Há pouco descobri o nome do filho de uma amiga na lista das vítimas e minhas lágrimas até então contidas, rolaram... não há palavras...

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  7. Chorei ao ler o seu texto...tenho uma filha jornalista...e avalio seu sofriemnto ao ter que realizar seu árduo trabalho. Seja forte e prossiga na missão de informar aos que necessitam localizar seus entes queridos que partiram deste mundo de uma forma tão trágica. Novamente a ganância prevelaceu...e a irresponsabilidade em assinar um ALVARÄ legalizando o funcionamento de um estabelecimento sem as devidas condições de segurança, revelam a perversidade de um sistema econômico e político que pouco se importa com a vida humana! Lament'vel :)

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  8. Parabéns Rodrigo você conseguiu expor exatamente o que se passa conosco, intimamente, ver parentes, amigos, conhecidos, colegas sofrerem algo tão cruel, tanto para aqueles que foram, quanto para os que aqui ficaram. Tristeza e Luto na nossa cidade!

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  9. Parabens pelo trabalho...e condolências pelo sentimento!

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  10. EM TODA MINHA VIDA JAMAIS VI UMA TRAGÉDIA DESSAS,O RIO GRANDE,O BRASIL E O MUNDO CHORA LAGRIMAS DE SANGUE ,E PEDE A DEUS QUE CONSOLE ESSAS FAMILIAS.

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  11. tentando segurar as palavras que ficam dispersas no ar para descrever o aperto no peito que dá, mas elas não se fixam...e como na maioria das vezes, nos deixam sem um diálogo qualquer.
    Que em meio a tanto caos haja sempre um motivo pra sorrir...

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