26.7.13

E eu que andava...

cá estamos nós. nós dois. eu e tu. folha branca, virgem
com o dorso sufocado de todas as manhas vazias
quiproquós imaginários, distúrbios de elegância
manhãs sem tua tez lisinha... meu cheiro, teu
dormente minha consciência em cento e cinquenta partes...
do que te faço, como me traço.
eu? sei lá... era dois, fui um, cinco, milhar, milhão.
folha branca, virgem.
página?
nem tanto.
divisa. espera.
nem zé, nem malaquias.
não te enterro, seca... fina.
fria, ocre, baço, embaciado.
é?
sei lá...
quando tornas teu, meu
dirias, dirá
nossa casa... tua
planta, cor
raiz, nossa
volta
teu
branco

27.1.13

O dia que não pedi para ter vivido


Eu tenho 29 anos de idade. E levei esse tempo todo para conhecer o que é a sensação de impotência. Já tive lá minhas aventuras pessoais trágicas (e eu pensei que esse termo tinha magnitude finita), mas o que eu vivi e vi nessas últimas 20 horas me deu a dimensão do infinito. Da tragédia infinita. Aprendi, hoje, de verdade, o que são o medo, a tensão e a agonia.
Me tornei jornalista há pouco tempo e, por um impulso (que deveria ter velado), embarquei num pesadelo que eu jamais vou esquecer. Ao presenciar o incêndio que vitimou 233 pessoas, eu estive numa dimensão que não recomendo ao meu mais vultuoso inimigo. Eram centenas de pessoas desesperadas, sujas, feridas. Homens sem camisa abanando outros que não conseguiam respirar. Mães e pais desesperados procurando os filhos em meio a sapatos quebrados, cacos de vidro, madeiras queimadas e uma fumaça traiçoeira que avisava lentamente sobre o horror coberto pelas paredes que voluntários e bombeiros tentavam derrubar para salvar os demais espremidos entre outros espremidos.
Amigos banhados de suor e lágrimas abraçados. Choravam a perda dos queridos companheiros que deixaram a vida dentro de um salão enfumaçado. Tão negras eram as manchas em seus corpos quanto a aura que envolvia aquele sexto de quadra.
A quantidade de corpos jogados no chão me chamou a atenção. Inocente, pensei ser aquele o lugar em que os feridos estavam aguardando atendimento enquanto litros e litros de água jorravam dos caminhões do Corpo de Bombeiros. Mal sabia eu que as pessoas deitadas na rampa de um estacionamento recebiam o choro dos amigos, que imploravam para que daqueles corpos, manchados de vermelho e preto, um sopro de ar saísse. Me deparei com a linha de frente da guerra em que caí de paraquedas. A expressão de perplexidade ainda não abandonou meu rosto.
Depois veio o dever às devas. Recrutado para a redação do jornal Diário de Santa Maria, o qual sou freelancer,corri, às 5h da manhã, para ajudar na cobertura, estruturada às pressas, da maior catástrofe que a minha cidade querida já comportou. A tristeza, o choro contido, o olhar marejado, a dificuldade de olhar no olho do colega. Uma mistura de pavor e tristeza tomou conta daquele lugar que num domingo teria uma equipe costumeiramente muito bem humorada. Esse plantão vai ser eterno. Aos poucos a rotina da cobertura foi escondendo mais a tristeza. Ela se manifestava aos poucos em lágrimas que corriam vez em quando pelos olhos dos repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, editores e motoristas.
Era uma tristeza desumana. Vi minha chefe e amiga chorar, vi minha irmã de coração aflita por notícias do irmão. Por incontáveis vezes estufei o peito e suspirei para me manter forte. Desci, fumei, bebi litros de água e café. Me entreguei ao falar com minha mãe pelo telefone (mãe tem o direito e o poder de fazer o machões chorarem). Contando pra ela isso que escrevi acima em versão reduzida, minhas lágrimas se soltaram em litros. Solucei com o abraço silencioso que dei na minha chefe e quase irmã Carolina. Ali, a gente se deu um tempo para ganhar um pouco de fôlego e coragem para voltar lá para cima e encarar os telefonemas, as fotos, as buscas por informação, os textos e o clima de união de uma redação de jornal que jamais deveria estar tão cheia num domingo de verão com um céu azul escancarado. Porém, sem o brilho que a dor da perda de tantas vidas nos roubou.

3.9.12

Montevideo - A cidade das casas coladas e da paciência

Montevideo é linda. Poderia ser mais.

É uma capital com aproximadamente dois milhões de habitantes e muita história pra contar. A cada prédio antigo que se vê, há um traço da construção de um país que sempre foi "corinho " na timeline sul-americana.
Acho que essa estigma de invasão, de ser de um ou de outro, fez com que os uruguaios construíssem suas casas coladas umas nas outras. A história, em Montevideo, tem seus heróis homenageados com monumentos monstruosos, gigantes. A praça da Independência, por exemplo, apresenta José Artigas em uma escultura imponente que representa todo o patriotismo do povo uruguaio.

Antes de viajar, é claro, procurei informações sobre a cidade, os pontos turísticos e onde comer. Fui certo de que comeria bem. Vou começar pela comida por que é importante comer bem para andar pelas ruas de Motevideo (e é muito legal fazer isso).

A atual cotação do real brasileiro no Uruguai não favorece a quem quer comprar e se empanturrar na orla do Prata. Câmbio a 1 por 10. Fomos almoçar no tradicional La Pasiva no bairro Cidade Velha. Não achei tudo isso. Fomos mal atendidos. A atendente, inclusive, sugeriu que fôssemos trocar o dinheiro por que ela não tinha troco (absurdo isso). Pedi um Chivito e um chopp; a Carol pediu Peixe com purê e uma coca-cola. Isso custou 600 pesos. Caríssimo por um sanduíche sem tempero e um peixe com purê sem gosto. A noite fomos ao restaurante Locos por Asar comer a parrilla (que até então era obrigatória ao turista). Assim, vamos combinar: é um churrasco na grelha. Assado na brasa e SEM SAL de novo. Isso aí deu mais 700 pesos por casal. Sem contar que pagamos em média 7 reais por uma garrafinha de água nesse restaurante mais 50 pesos de "gorjeta obrigatória" por pessoa.
No dia seguinte descobrimos sem querer o restaurante que vou indicar a todos que me pedirem idicações em Montevideo: o restaurante Manchester (esquina da 18 de Julio com a Convencion). Lá fomos muito bem atendidos por um garçom simpático e comemos uma comida em conta. Pedi bife à Milanesa com ovo frito e batatas fritas. Finalmente comida com gosto e em bastante quantidade. Pedi o bife e a Carol pediu a salada por 300 pesos o almoço por casal. Indico muito o lugar. Aos comilões: existe um bifê livre por 300 pesos na av. 18 de Julio. Depois disso a gente decidiu que o McDonald's seria nosso restaurante oficial, já que o preço era, mais ou menos, como aqui no Brasil. Rápido, bom e barato. 

Sempre li que os uruguaios são simpáticos e alegres. Eles aparentemente são. As pessoas andam em ritmo de metrópole. Aquele emaranhado de pessoas nas calçadas, bancos e chão de praça; tem gente por todos os lados. Mas não senti essa alegria e receptividade dos atendentes dos locais em que consumi. Achei os uruguaios todos muito lentos e sem vontade. Até mesmo o McDonald's que preza pela rapidez no atendimento era LENTO. Nos mercadinhos da cidade, aqueles uruguaios gordos e narigudos com a mínima vontade de falar quanto mais de atender um cliente e contar o dinheiro. A cidade anda lenta e calma enquanto o sol se esconde no fundo do Rio da Prata e a população lota as Ramblas na beira-rio. Todos com seus mates debaixo do braço.

Fizemos uma coisa que recomendo muito. Alugamos bicicletas e andamos pela orla do Prata por volta de três horas. Um trajeto de, mais ou menos, 4km até o parque Rodó.


O Parque Rodó é o parque de quem mora em Montevideo. Para passear com o cachorro, levar as criaças para brincar, "fumar um", praticar esportes ou simplesmente tomar um mate deitado na grama. Um lugar muito bonito. Até aqui só falei em bonito e não falei sobre limpeza. Os habitantes de Montevideo não ligam para isso.

Chama muito a atenção a sujeira da cidade. O cheiro de lixo, cocô de cavalo e cahorro, papel espalhado pela rua. Eles tropeçam no lixo e deixam onde está. Isso é muito ruim. Os restaurantes todos tem uma aparência suja. O parque Rodó, por exemplo, tem muito lixo espalhado nas ruelas e na grama.

Na noite a pedia é o tradicional bar Fun Fun (que uns dizem fúnfún, outros fãnfãn). Barzinho pequeno, cheio de penduricalhos na parede. Camisas de times, fotos, lembranças de um disante ano de 1985 quando foi fundado. Mostra todas as noites o tal tango que os argentinos tentam roubar, o Candombe e a Uvita. Uvita é uma bebida muito boa a base de vinho do Porto. Vale muita a pena ir ao Fun Fun. Bebemos bastante e nos divertimos por uma média de 800 pesos por casal.

Montevideo é uma cidade linda por essência. Pela história e pelo povo. Povo esse que acaba estragando a cidade com sua morosidade e falta de educação. Mas isso não é culpa deles. Talvez eu tenha esperado demais. É um passeio que já foi mais barato, mas vale a pena. É um pedaço da história que está lá preservado e explícito.   


13.7.12

O dia em que o Rock entrou na minha vida?



Não sei.

Uma das coisas mais incríveis da vida é a memória. Dela puxamos a lembrança e disso tudo construímos nossa história. Fazemos isso ininterruptamente. A cada momento a gente acresce nesse enredo uma coisa a mais, um detalhe, um marco. Isso faz com que o sujeito "se crie", como dizem por aí.

É incrível como o tempo nos molda e nos prega peças.

Primeiro é a criança subjugada pelas cantigas infantis, depois a afeição pelas músicas ouvidas pelos pais. Depois o primeiro ídolo, o primeiro disco a primeira canção. Aquele batuque na perna. O pé que começa a bater no ritmo. Roberto Carlos, Leandro & Leonardo, Chitãozinho & Chororó... aquela vibe "não-aprendi-dizer-adeus".

Por que meus pais eram muito de ouvir esse sons melancólicos, bucólicos, antigos etc. Afinal eles são antigos e a história deles foi construía no embalo dessas canções. Da Jovem Guarda, do samba canção, da "música romântica". Fábio Júnior faz minha mãe arrepiar. Meu pai e suas "gaudérias". Eu era essa criança sem norte musical, essa mistureba. De Oswaldo a Oswaldir. De Chico aos sertanejos.

Acho que o meu Rock foi salvo e germinado no meu retorno a Santa Maria. Lá pelos idos de 1993. Dei a sorte de cair num ambiente pós-romântico-sertanejo. A Rádio Atlântida bravava o pop, o punk, o rock maluco de Seatle. Acredito que nasci junto com o Nirvana, com o Alice in Chains. Os vestígios daquele rock de verdade dos anos 1960-1970 juntavam os cacos e formavam um novo Rock. Caí no colo do meu padrinho que era jovem e rebelde e ouvia música. O fato de eu lembrar daqueles pôsteres do KISS colados na parede e da estranheza que aquilo me causava é marcante. Ao menos, hoje, sou fã de KISS. A rádio me mostrou, enquanto  convivia comigo, outro estilo. Era a gestação do Rock em minha vida. Ou era minha vida que ia adiante.

Depois foi esperar o tempo me mostrar as facetas deste way of life. Suas caras e ícones. Descobri que não era só por futebol que as pessoas discutiam. Quando a gente gravava nossas fitas com as seleções (prelúdio do mp3) e disputava quem ouviria a sua durante os jogos de botão, de Stop e outras coisas. Quando a gente colocava som na rua. Isso tudo era Rock. Pelo viés dos vizinhos, éramos subversivos mesmo que sem causa  aparente. A nossa causa era rir, fazer bagunça, botar fogo na lixeira, lutar pelo nosso espaço. Rock'n'Roll.

Hoje o Rock faz parte da minha vida. Muitos Rocks. Muitas caras e caretas dele. Do incompreendido ao da moda, passando pelo clássico.

O Rock é isso: história de vida. Ou melhor, conta nossa história. Com as baladas dos namoricos. Aqueles de bater a cabeça, os de ficar hipnotizado, os de só ouvir.

Porque, à vezes, Rock é só ouvir.

1.2.12

Infinitos efêmeros

Dessa forma o mundo me prova que sou pedreiro. Sou fincado no meu chão.
Não por não sonhar, por não voar. Eu vôo. Mas feito bumerangue.
Minha sina é desmoronar e construir de novo. Me adaptar ao que me deixa.
Na minha vida de eternas despedidas. Delas sempre sou eu quem fica.
Os outros que vão com suas conquistas. Feito flechas, projéteis, satélites.
Me resta esse quadro branco para chorar e lamentar.
Os planos de "pra sempre" recíprocos que sempre têm validade.
Difícil ser eterno em corpo nesse mundo volátil, não é?
Difícil segurar a mão e os dedos. As lágrimas.
A cada manhã em que eu abrir os olhos será um despedida.
Uma dor em cada travesseiro. A cada sexo, um a menos.
A cada beijo, um adeus.
O que conforta é que a Terra gira.
Que a certeza pode tropeçar na incerteza de qualquer instante.
A certeza é instantânea.
O amor cabe no coração e fica guardado.


31.12.11

É sempre uma nova esperança

Mais um ano se vai no nosso calendário de éter. Que volátil é a nossa vida hoje em dia, né?
A velocidade que os ponteiros do relógio giram hoje é bem maior que a de antigamente. Quando os anos ainda tinham 19 na frente era mais calma a vida. Com o adeus dos "mil-novecentos-e" chegaram as responsabilidades, a barba, os cabelos brancos começam a avisar que vêm, sim, e não tem choro. Sem falar nas manias que a gente vai absorvendo do dia-a-dia. Coisa de velho. Que vai ficando com o coro gasto, com as mãos e os pés cascudos. A essência vai criando calos; se firmando e se definindo.

Meu último post de ano novo foi há dois anos. Por quê?
Não sei.

Na verdade eu sei.

O que muda na nossa vida em dois anos? Um monte de coisa.
Precisei desses dois anos para ser o que sou hoje. Para levar um tombo, levantar do tombo e lamber as feridas.

Quem me conhece sabe que eu não tenho essas superstições e mandingas de virada de ano e tals.
Mas achei justo fazer um balanço de um ano que passou. É uma data marcante que faz a gente pensar um pouco na vida.

Quando eu era mais jovem eu gostava de olhar o céu e as estrelas na noite da troca de ano no calendário. De alguma forma olhar pro infinito me confortava e encorajava a caminhar pra frente. Com o tempo eu perdi esse costume. Mas o meu 2011 começou e eu estava em um lugar que me obrigava a olhar para o céu. As pessoas que estavam comigo não eram as de costume. Porém a grande parte delas fez parte da criação do que eu sou agora, neste momento. O local me era familiar. Aquelas foram minha estrelas, muitas delas, ou quase todas, carrego no meu coração até hoje.

2011, para mim, foi o melhor da última década. Foi quando me afirmei em minha escolha profissional, encaminhei minha formação em jornalismo. Firmei amizades, reafirmei outras e coloquei algumas em seus devidos lugares. Fui um pouco egoísta e injusto com meus mais fiéis companheiros de muitos anos. Erro meu, que arrependido, peço desculpas eternas.
Peguei gosto pela arte, pelo teatro, pelo cinema. Descobri "habilidades" e "talentos" que jamais pensei ter.

E, o mais importante: no meio disso tudo reencontrei o amor e a paixão. Sempre acreditei que a gente precisa de alguém ao nosso lado - sempre. É tão fácil perceber o quanto fica simples ir em frente quando a gente se sente amado e acompanhado. Elejo aqui a Carolina como principal personagem do meu 2011. Com ela, um ano termina e outro começa já com perspectiva positiva de continuidade; não saio de 2011 com nada interrompido.

Com essa sensação de continuidade, deixo aqui meus votos para que todos que me cercam consigam atingir seus objetivos. Sem essa de paz, saúde e prosperidade.
Desejo convicção e foco na vida, que é um jogo e precisa-se aprender a andar no tabuleiro da melhor forma.

Um grande abraço a todos.

21.11.11

seis dedos e mil gargantas

às vezes me vejo mil
tantos que fraquejo
muitos cabelos e pés tortos
corações múltiplos de 3,45
da alma que me pesa uns turbilhões de quilos
dos mil braços
mãos com seis dedos que não controlo
dos sonhos que de tão grandes se fazem loucos
de esperanças milhares se tornam opacas
de tantas gotas de chuva que abraço
de tantos goles que bebo em mil copos
mil gargantas que gritam por sossego

19.11.11

sorriso

guardo aquele toque teu
tão meu
sublime sorriso
trançado a cada perna nossa
noite fria
sono sorriso
gotejando suor
e cada suspiro
êxtase sorriso
mão pequena tua
quente teu abraço
teu amor
nosso sorriso
caminha
minha alma tua
coração sorriso

(para Carolina Reichert)

9.10.11

saudade

posso pensar em desespero em uma noite no meu do mundo no meio do nada no meio de ondas sonoras toscas que fazem com que eu pense interruptamente naquele momento em que te abraço no momento em que te encontro naquele momento em que a fábula é só uma linguagem literária que o teu cheiro encontra o meu em que a gente se abraça e fica tudo tão feliz?

6.10.11

as cartas da última gaveta da cozinha

vou jogar fora vários pares de meias
cortar as calças velhas
deixar curtas
como bermudas
limpar o baleiro

vou jogar fora os drops velhos da vida
pedaços daqueles dias frios
traços daqueles esquadros rabiscados a carvão
do tempo que o preto era contraste
quando o branco era penúria
o apito do trem era distante
quando a largura da cama não variava
não existia escova de dente reserva
quando a insanidade era não te falar
vou jogar fora todas as cartas que te escrevi
que dormiam no fundo da última gaveta da cozinha
delas não preciso mais
elas não superam o toque do teu nariz no meu

(para Carolina Reichert)

22.9.11

Ontem éramos crianças, hoje somos máquinas

Eu não sentiria falta da pontada do barulho que os morcegos fazem na minha janela. Não sentiria falta daquela peça encrustada de poeira que vejo da mesa da cozinha com a cabeça bêbada escorada no azulejo.
Sinto muita falta do que meus braços já não podem alcançar. Do que me é privado pelo espaço, pelo tempo, pela geografia e pela dimensão. Sinto falta da minha mãe, do meu pai e do meu gato xadrez. Do barulho da rua. Do barulho da minha rua. Da batida da bola murcha no chão, da bolita que sumia entre as folhas. De bater e ser batido no esconde-esconde. Dos cabelos compridos das meninas que cheiravam a creme com suor inocente da corrida do pega-pega. Das conversas intermináveis em volta da quadra.
Dar a volta na quadra quando a gente é pequeno demora. Quando a gente é pequeno, tudo é grande, comprido, demorado. Os irmãos mais velhos são bem mais velhos, as avós, então, nem se fala. Os muros altos são paredões espartanos. Intransponíveis até que o primeiro descubra a "manha". Depois a gente sobe, cria aventuras, brinca de "siga o mestre". Cipó em arvore vira desafio, separa os guris dos guris que merecem respeito na turma. Quantos carrinhos quebramos em nossas pistas imaginárias feitas de papelão e tijolos? Quanto carrinhos recriamos? Aqueles com rodinhas desproporcionais? Quantos perderam a fricção?
Gostaria de reunir todas as bolas furadas e fazer um mar de lembranças dos tempo em que jogar bola era recreio, era rasgar calça, esfolar joelho, cortar o braço. Fazer gol e imitar o Bebeto e o Romário. Todos éramos Romários e Bebetos. Cada um com seu sonho, suas micagens, suas delícias e malemolências. Seríamos médicos, pilotos de caça, heróis de guerra, jogadores de futebol em copas do mundo.
Hoje, quase não temos direito de fazer castelos de areia na praia, nossos momentos são efêmeros. Hoje, lutamos de verdade com a vida. Ainda somos filhos, sempre seremos, mas hoje somos pais, tios de verdade e emprestados. Somos por aí. Por lá e por qui. Caímos às vezes, mas como antes, sempre resta um para ajudar a levantar. Ou dois, ou três. Hoje somos órfãos num mundo caótico que nos transforma em máquina.
Somos máquina o tempo todo. Nos vemos máquinas, nos falamos máquinas. Ser máquina é o que nos permite viver e nos permite a possibilidade de não sermos máquinas por um dia no máximo. Perdemos o direito de jogar bolita. O telefone celular é o que nos permite ouvir nossas vozes mesmo que rapidamente para não gastar muito crédito. Se não formos máquinas, a vida nos come, nos consome e ficamos para trás.

*este texto é minha manifestação em relação aos meus 28 anos. Representa toda a saudade que trago na memória. Representa minha insatisfação enquanto humano com o espaço e tempo que me separa das minhas pessoas queridas. E é, também, em homenagem aos meus amigos que tanto amo e sinto falta do abraço.

17.9.11

simples assim

te envolvo com apenas um braço desses dias curtos e amarelos quase laranjas se o inferno tem uma parte boa tem teu nome bruxa delicada isso não tem nada de céu o céu não suportaria tamanha intensidade teu vírus não tem cura tua mão na minha a cada passo simples assim

13.9.11

porcas manhas

daqueles dias de gírias indômitas
cavavam na pele a gastura dos meus ouvidos
de gasto era meu colo teu
da fome que corroía a leveza
de ti restou a corda do arco com teu cabelo
da rabeca que tocava, o eco
quando morri, juntei folhas de repouso
meu ninho cravejado de espinhos que te emprestei a passeio
docas e docas nadei e afoguei
porcas manhas das tuas agruras
arranhando desde a ponta
da caixa que te fiz
ao enterro dos meus pés na água congelada


11.8.11

bastante

do tempo em que o calor era bom
quando as cinzas torneavam tua face
colada na minha
eis que me rendo
íntegro - hoje - integro a parte que te falta
na tua indiferença me basto
com meus calcanhares puídos
contando quimeras
letras em letras
alvitres
do que dissimulamos
parafraseamos
distanasiamos

1.8.11

num instante

balbuciei palavras trêmulas
segurei teu braço com força
tingi tua pele com a minha
apertei tua voz contra meu peito
do eco, se fez nossa alcova
no instante em que teu olho agradeceu
e quando do sono se fez realidade

28.7.11

Curtos

Nem só de trovão se faz um delírio
Da casa de dentro de fora afora as delongas
Costurando aspas em meus devaneios
Tropeços nos fios curtos dos teus cabelos
Onde faria morada
Transverso ao que te negas
Do que te entrego em ondas

(para todas as mulheres de cabelos curtos - que são as que prefiro)

27.7.11

ficamos assim
um lá
e outro cá

na nossa razão

coração?

de ponta a ponta te soube

te quis mais que meu orgulho

mesmo assim

no meio de outrem

uma página que viraria e acabou rasgando

26.7.11

Amar é morrer um pouco - e, também querer matar

Meu Amor
Yanto Laitano

Meu amor, eu te odeio
você me perturba
E um dia ainda vou conseguir te matar

Meu amor, não sei o que eu sinto
Tô num labirinto
E esqueci de trazer um fio prá retornar

Mas meu bem, tudo bem
Meu bem, tudo bem
Eu juro que levo teus olhos castanhos comigo

Meu amor, não fale comigo
Sou teu inimigo
E um dia ainda vou conseguir te matar

Amor, cale tua boca
E tire tua roupa, benzinho
E vamos acalmar nossa dor

Mas meu bem, tudo bem
Meu bem, tudo bem
Eu juro que levo teus olhos castanhos comigo


Curte aí a canção ao vivo no Theatro São Pedro.


Falando nisso o Yanto Laitano toca no bar Macondo Lugar no próximo sábado, dia 30.
Promete ser um show muito bom.
No site do Yanto tem todas as músicas do disco Horizontes e Precipícios pra ouvir ou pra baixar.

Mais infos aqui.

Sabrina (Capítulo 1)

Foi numa daquelas tardes quentes que a gente torcia a testa pra enxugar o mar de suor dentro daquela salinha sem janela. Ele saiu pra fumar um cigarro - na rua, uma nesga de sombra cobria parcialmente o corpo de um rato morto sobre a calçada - e esfriar a cabeça depois da discussão com a sogra.
Na manhã havia acordado com o barulho do metrô que colidira com um motociclista bêbado. Não há humor que resista. Ainda levantar e encontrar a sogra na cozinha de chambre roxo com flores amarelas comendo cuca de laranja com chimia de uva. Aquele olhar soberbo e um resmungo de bom dia "seu bosta". Ele não quis controlar a porra da boca. Enfiou logo o dedo na cara da velha e descarregou palavrões acumulados desde a última visita. Em seguida acendeu um cigarro que mal conseguiu fumar. A inquietude mental fazia com que seu corpo tremesse até o bigode. Jogou logo o cigarro que pipocou na parede e caiu no pé do sofá com forro puído pela bunda gorda da mulher que passa os dias fazendo crochê para os panos de prato que vende para as vizinhas linguareiras.
Os dias de trabalho no empacotamento do moinho de farinha eram molestos. A carga era parelha com a pressão do diretor que fiscalizava cada pacote antes de encaixotar. O salário motejava a desgraça ao fim do mês. Pensou várias vezes em sair de casa e começar a assaltar velhinhas na praça. Não era justo com a vida fazer isso. Tomar pau de brigadiano, virar mulher de negão aidético no xadrês. Tergiversando esses pensamentos seguia a rotina modorrenta no subsolo da "firma".
Quando tentou acertar a bituca no rato que jazia a sua frente sentiu a presença de alguém e segurou o ato. Era hora de saída do colégio próximo. Um grupo de alunos primários passava. Comentavam extasiados a briga da hora do recreio. As meninas arrodeavam o vencedor. Os puxa-sacos vangloriavam-se de sentarem próximos ao mais novo maiquetaisson do bando. Na roupa ele carregava a marca vermelha de sua vítima. Chutes na barriga, socos e mais socos na cara do infeliz que ousou cumprimentar a mina mais bonita da turminha do galo. Ela obviamente vinha na frente do bando. Imaculada e brilhante. Com o sorriso amarelo. Porém feliz em ser objeto de disputa e ter algum valor na vida. Nem era tudo isso. Menina de cabelos pretos, pele muito branca, olhos pretos, tatuagem desbotada no pescoço. Saviano brecou o braço de um moleque que representava o golpe de misericórdia de seu ídolo. Nesse momento seu olhar cruzou com o dela.

20.7.11

drops sem peso

Não me contento com drops da tua alma
Não sou tão tão leve assim
Pesam-me os ossos
Os da cabeça exigem quilos
Os do peito, toneladas
Não me basta teu cabelo
Não me basta o teu cheiro
Não me bastam teus segundos
Sou viciado em ti

aquele lance de ver o nome ali ao lado
estático
não sobe, não desce, não muda
fica ali parado
inerte
fixado pela dúvida falsa, pelo pavor dissimulado
o que não para é a busca por ele
por movimento
sentimento
sinal verde ou lua
lua. lua de coração? talvez
meia lua ou eclipse? eclipse
lua cheia? só se for nova. negra
ou sorrindo com a fase
que fase?
a velha caquética
plaster caster
e o sentimento é esse monstro gigante
sem braços, nem pernas
cambaleando
pendendo pra cá e pra lá
dentro de uma caixa de ossos prestes a explodir
fraca e que não sabe dividir espaço com o resto

trovoada melancólica

Daquele dia que te reneguei
Tão doído e ácido
Tão grande quanto as mentiras que eram
Das que te mentias
Das que eu mentia e me mentias
Como a faca invadindo a carne a furo já feito
(E cravando mais e mais)
Da corda que não asfixia
Da distância que meu coração não sacia
Jaz a palavra que não mais respeito


.
Apanhador Só - Nescafé
.

15.7.11

vento

venta, vento
norte, norte
forte
que algo me importe
cicatrize o corte
venta, vento
venta
lento
lamento

2.7.11

"do que é amor ficou o seu retrato"

meu coração sempre teve pressa.
nunca entendeu - nem quis - teus quandos e ondes.
ele só quis pulsar. quebrar. bater - por vezes no sentido agressivo.
e não era por que era doente.
ele não o é.
pode ele ser de um rítmo diferente?
pode.
provavelmente.
provavelmente ele te esculpiu.
da forma que ele imaginou.
com a batida frenética. típica dele.
ele negou outros batidos.
outras faces e outros amores.
tantos que nem sabe contar.
ele bateu sem sentido e segue.
mil vezes bateu descompassado pelo teu passo.
pelo teu desdém.
por acreditar que a hora se fazia pelo jeito.
e não pela canastra que oferecias a ele.

*retratos são legais porque guardam momentos.
há momentos que não tem retratos.
talvez, esses pretendam ser esquecidos.

29.6.11

dos teus beijos sem amor

de quando tu não desabrochas, eu nem saio da fruta.
apodreço dentro da casca e morro.
das volúpias da carne que te vê e não te consome. do afago.
do que insiste em te consumir. do que nem me dá.
do que eu escondo. do que escancaras.
quando inverto, dás nó.
quando invento, taciturnas.
folgo e gozo quando tua boca alcança a orelha.
mesmo quando efêmero é.

te aprendo.
te sinto.
e vou.